Para mais informações :http://www.autismdigest.com/
Ed. Note: Esta entrevista foi gravada em 9 de dezembro de 1999, num seminário em São Francisco, California. A audiência adorou quando Temple revelou alguns fatos muitas vezes engraçados de sua vida pessoal. Ver Temple rir de si mesma foi uma oportunidade rara... Divirta-se!
Tradução de Mônica Accioly
A autobiografia de Temple Grandin’s, Emergence: Labeled Autistic e seu livro subsequente, Thinking in Pictures, juntos contém mais informações e insights sobre o autismo do que qualquer livro que eu tenha lido. A primeira vez em que a ouvi falar, pude imediatamente perceber sua maneira direta de ser. Toda a audiência foi cativada por seu conhecimento.
Fiquei feliz ao ser convidadpo para entrevistar Temple, já que me proporcionou uma oportunidade de pedir seu conselho sobre tantas questões. Ela é uma pessoa extremamente afetuosa e a entrevista em São Francisco reuniu uma audiência de mais de 300 pessoas. Ao final, o aplauso foi longo e entusiasmado.
Temple é minha heroína. Ela tem o meu voto como a pessoa que proorcionou o maior avanço em nossa compreensão sobre o autismo, neste século.
Dr. Tony Attwood
Tony: Temple, você foi diagnosticada como autista aos quinze anos de idade. Como os seus pais contaram a você e como você se sentiu com esta notícia?
Temple: Bem, eles nunca me explicaram muito bem. Eu meio que descobri através de minha tia. Você tem que lembrar que eu tenho 53 anos e aquela era uma era freudiana, uma época muito diferente.
Na verdade, eu fiquei aliviada quando descobri que havia algo de errado comigo. Pude entender porque eu não me entrosava com o pessoal da escola e porque eu não entendia algumas coisas que os adolescentes faziam – como minha colega de quarto que gritava quando via os Beatles num show de televisão. Eu pensava, é...Ringo é bonito mas eu não rolaria no chão por ele...
Tony: Então, atualmente, se você precisasse explicar para um jovem de 14 ou 15 anos : você tem autismo ou Síndrome de Asperger, como você diria?
Temple: Eu acho que eu diria para ele ler o meu livro ou o seu...
Bem, eu provavelmente explicaria de maneira técnica, que é um atraso no desenvolvimento do cérebro que interfere com a interação social.
Eu sou basicamente uma pessoa técnica – este é o tipo de pessoa que eu sou. Eu quero consertar as coisas. Com a maioria das coisas que eu faço, eu tenho a visão do engenheiro. Minhas emoções são simples. Eu tenho satisfação ao realizar um bom trabalho. Eu tenho satisfação quando um pai chega e me diz ”li seu livro e ele realmente ajudou meu filho na escola”. Eu tenho satisfação como o que eu faço.
Tony: Parece que quando você era muito peqena e muito autista, você gostava de alguns comportamentos autísticos. Quais eram eles?
Temple: Uma das coisas que eu fazia era deixar a areia escorrer entre os meus dedos , observando e estudando cada partícula como um cientista através de um microscópio. Quando eu fazia aquilo eu me desligava do mundo.
Sabe, eu acho que é legal uma pessoa autista fazer isso às vezes porque é calmante. Mas se fizer todos os dias, não vai se desenvolver. As pesquisas de Lovaas mostraram que as crianças precisam estar conectadas com o mundo por 40 horas semanais. Eu não concordo que estas 40 horas precisem ser cumpridas sentada à mesa. Mas eu ficava conectada por 40 horas semanais. Eu tinha uma hora e meia de “Moça Educada”, quando eu precisava me comportar às refeições. A babá brincava comigo e com minha irmã uma série de brincadeiras e jogos infantis. Eu tinha atendimento fonoaudiológico todos os dias... estas coisas foram muito importantes para o meu desenvolvimento.
Tony: Ainda há pouco você usou a palavra “calmante”. Um dos problemas de algumas pessoas com Autismo ou Asperger é controlar seu humor. Como você controla o seu?
Temple: Quando eu era criança, se eu tivesse uma “crise de birra” na escola, minha mãe apenas dizia: “Você não vai assistir TV esta noite.”
Eu freqüentava uma escola regular – 12 crianças na turma. Havia uma parceria entre escola e casa. Eu sabia que não podia jogar minha mãe contra meus professore ou vice-versa. Para mim, bastava saber que se eu tivesse uma crise , não assistiria meu programa favorito naquela noite.
Quando eu estava no ginásio e as crianças implicavam comigo, eu entrei em brigas sérias. E fui expulsa da escola - não foi nada agradável.
Mais tarde, quando entrei em brigas no colégio interno, eles cortaram a equitação. E como eu queria andar a cavalo nunca mais briguei. Foi simples assim.
Tony: Mas, cá entre nós, com quem você brigava? Você ganhava?
Temple: Bom... eu geralmente ganhava...
Tony: Você lutava com meninos ou meninas?
Temple: Tanto faz – quem implicasse comigo.
Tony: Então você batia nos meninos...
Temple: Ah, eu me lembro uma vez que dei um soco mum menino na lanchonete...
Quando a briga acabava, eu chorava. Era a minha maneira de aliviar a tensão. É o que acontece agora, eu só choro, para prevenir as brigas. Eu também evito situações onde as pessoas começam a se irritar. Eu me afasto.
Tony: Eu gostaria de fazer uma pergunta técnica. Se você tivesse $10 milhões para pesquisa , você apoiaria pesquisas em andamento ou investiria em uma nova área?
Temple: Uma das áreas onde eu gastaria este dinheiro seria para tentar descobrir o que causa os problemas sensoriais. Eu sei que não é o déficit central do autismo, mas é algo que dificulta muito o funcionamento das pessoas com autismo.
Uma outra coisa ruim, especialmente para as pessoas de alto funcionamento, é que quanto mais velhos, mais ansiosos. Mesmo tomando Prozac ou outra coisa, são tão ansiosos que é muito difícil “funcionar”. Gostaria que houvesse uma outra maneira de controlar isso que não fosse dopá-los completamente.
Então levantaríamos questões como, deveríamos prevenir o autismo? Fico preocupada com isso porque se eliminássemos totalmente os gens que causam o autismo, estaríamos eliminando muitas pessoas talentosas, como Einstein. Eu acho que a vida é um contínuo – do normal para o anormal.
Afinal, as pessoas realmente sociais não são as mesmas que desenvolvem os computadores, ou as plantas de instalações elétricas, ou constroem enormes hotéis, como este. As pessoas sociais se ocupam interagindo.
Tony: Então você não usaria a verba para acabar com a Síndrome de Asperger. Você não a vê como uma tragédia?
Temple: Bem, seria bom acabar com o que causa a deficiência severa, se houvesse uma maneira de preservar alguns traços genéticos. Mas o problema é que existem uma porção de genes diferentes interagindo. Se você recebe poucos traços, é bom, mas se são muitos, é ruim. Parece que depende do funcionamento genético.
Aprendi trabalhando com animais que quando os criadores selecionam um determinado traço, outros traços ruins vêm junto. Por exemplo: na avicultura, selecionaram engorda rápida e muita carne, mas tiveram problemas porque o esqueleto não era forte o suficiente. Então criaram um esqueleto forte. E tiveram uma grande e desagradável surpresa, com que não contavam : acabaram com galos que atacavam e matavam as galinhas. Porque as pernas mais fortes acabaram com o comportamento normal do galo durante a corte.
Quem poderia prever este problema ? É assim que a genética funciona.
Tony: Temple, uma das suas características é que você faz as pessoas rirem. Acho que às vezes não é a sua intenção, mas você tem esse dom. O que te faz rir? Como é o seu senso de humor?
Temple: Bem , prá começar, meu senso de humor baseia-se no visual. Quando eu estava te falando das galinhas, eu via imagens. Uma vez eu estava no departamento de conferência na universidade e havia fotos dos diretores antigos, em molduras de madeiras, pesadas e grossas.
Olhei para elas e pensei: “Oh, galos emoldurados!”
Numa outra reunião na faculdade, quando eu olhei para elas tive vontade de dar uma gargalhada. Isto é humor visual.
Tony: Isto explica porque ás vezes você cai na gargalhada e as outras pessoas não fazem a menor idéia do que está acontecendo...
Temple: É isso mesmo, eu estou vendo uma imagem mental de algo que é engraçado...
Tony: Sobre a sua família: sua mãe foi muito importante na sua vida. Que tipo de pessoa ela era? O que ela fez, pessoalmente, que te ajudou?
Temple: Para começar, ela não me internou. É preciso lembrar que isto foi há 50 anos e todos os profissionais recomendaram que eu fosse internada. Minha mãe me levou a um neurologista muito bom que recomendou fonoaudiologia e jardim de infância. Isto foi um golpe de sorte. Era um Jardim na casa de duas professoras, que sabiam como trabalhar com crianças. Eram seis crianças e nem todas eram autistas. Minha mãe também contratou uma babá, quando eu tinha três anos, que tinha experiência com crianças autistas. Eu tenho a impressão que ela mesma talvez fosse Asperger porque em seu quarto havia um banco de automóvel, retirado de um jeep velho – era sua cadeira predileta...
Tony: De que outra maneira a pessoa que a sua mãe era te ajudou?
Temple: Bem, ela trabalhava muito comigo. Encorajava meu interesse por artes, desenhando comigo. Ela havia trabalhado como jornalista, num documentário sobre pessoas com retardo mental e num outro programa para TV sobre crianças com distúrbios emocionais.
Como jornalista ela havia visitado muitas escolas. Então quando eu me meti em confusão na nona série, por ter jogado um livro numa menina – eu fui expulsa e tivemos que encontrar outra escola . Ela encontrou um colégio interno que havia visitado como jornalista. Se ela não tivesse feito isso por mim, eu não sei o que teria acontecido. Quando eu cheguei lá, foi que eu encontrei pessoas como meu professor de Ciências e minha tia Ana, lá no rancho, que foi outra mentora importante para mim. Mas muitas pessoas me ajudaram pelo caminho.
Tony: E o seu pai? Descreva seu pai e seu avô.
Temple: Meu avô por parte de mãe inventou o piloto automático para aviões. Era muito tímido e quieto. Não era muito sociável. Do lado da família do meu pai , a gente encontra problemas de humor. Ele não achava que eu chegaria muitolonge. Também não era muito sociável.
Tony: Como você relaxa? Como se acalma no final do dia?
Temple: Antes de tomar medicação, eu costumava assistir Jornada nas Estrelas. Era fã. Uma coisa que eu gostava, especialmente nas séries antigas, eram os princípios morais. Fico preocupada hoje em dia com a violência. O problema com os filmes não é o número de armas , mas é que o herói não tem valores morais positivos. Quando eu era criança o Super Homem ou o Cavaleiro Solitário nunca faziam nada que fosse errado. Hoje, o herói faz coisas como jogar a mulher na água ou permite que ela leve um tiro. O herói deveria proteger.
Atualmente você não tem valores bem definidos. E isto me preocupa porque minha moral é determinada pela lógica. E não sei quais seriam os meus valores se eu não tivesse assistido todos aqueles programas com princípios morais tão bem definidos.
Tony: Como você acha que estará a nossa compreensão do a utismo daqui a cem anos?
Temple: Ah, não sei... A engenharia genética provavelmente estará muito avançada e teremos um programa Windows 3000 “Faça uma pessoa”. Eles saberão ler o código DNA até lá, o que não se faz hoje. Os cientistas podem manipular o DNA – tirar ou por – mas não podem ler as cadeias. Daqui a cem anos eles farão isto. E eu acredito que ao menos os casos severos de autismo desaparecerão porque seremos capazes de manipular totalmente o DNA.
Tony: Atualmente existem algumas autobiografias de pessoas com Autismo ou Sídrome de Asperger. Quais são os seus heróis no campo do Autismo ou Síndrome de Asperger, pessoas que tem estes diagnosticos?
Temple: Eu admiro as pessoas que alcançam sucesso. Há uma senhora chamada Sara Miller que programa computadores industriais. Hoje há outra senhora aqui, muito bem vestida, que conduz seu próprio negócio de jóias, e me disse ter Asperger. Pessoas assim são meus heróis. Alguém que se supera e vai lá e realiza coisas.
Tony: E quanto às pessoas famosas da história, quem você diria ter Autismo ou Síndrome de Asperger?
Temple: Penso que Einstein tinha uma série de traços autísticos. Ele não falou até os três anos de idade – eu escrevi todo um capítulo sobre ele no meu último livro. Acho que Thomas Jefferson também tinha uns traços Asperger. Bill Gates tem uma memória fantástica. Li um artigo em que o autor cita que em criança ele memorizou todo o Torah.
É um contínuo. Não há uma linha divisória entre o fanático por computador e , digamos, uma pessoa asperger. Eles se misturam. Por isto, se você acabar com os gens que causam o autismo, talvez haja um alto preço a ser pago. Anos atrás, um cientista em Massachusetts disse que se você acabasse com todos os gens que causam os distúrbios sobrariam apenas os burocratas ressequidos!
Tony abriu a entrevista para a audiência Uma das melhores:
Como você percebeu que tinha o controle de sua vida?
Temple: Eu não era uma boa aluna na época do ginásio. Eu ficava com a cabeça no mundo da lua. Por pensar visualmente, precisei usar portas como um simbolismo – uma porta material que eu atravessava – simbolizando a minha passagem para a próxima fase da minha vida. Quando você pensa visualmente e não possui muitas experiências anteriores no disco rígido, você precisa ter algo para usar como mapa visual.
Meu professor de Ciências conseguiu me motivar em diferentes projetos e eu percebi que se quisesse entrar na faculadde e me tornar uma cientista teria que estudar. Bem, um dia eu atravessei essa porta e disse “ OK, eu vou tentar prestar atenção na aula de Francês.”
Mas houve um momento em que eu percebi a necessidade de fazer algo sobre o meu comportamento. E vivi situações que não foram nada fáceis. Alguns mentores me forçaram - e isto nem sempre foi agradável – mas eles me forçaram a perceber que eu precisava mudar o meu comportamento. Eu não podia continuar a ser uma inútil. Eu precisava mudar aquilo.
Acho que li num dos primeiros artigos sobre o autismo, de Kanner, que a pessoa autista que finalmente alcança o sucesso, percebe que precisa trabalhar ativamente o seu comportamento. Não adianta ficar sentado reclamando das coisas. É preciso tentar mudar as coisas. Bons mentores podem te ajudar a fazer isso.
Temple escreveu dois livros sobre autismo: Emergence: Labeled Autistic and Thinking in Pictures. Ela é conhecida mundialmente por suas conferências sobre os transtornos do espectro autista. Tony Attwood é psicólogo clínico, na Austrália, especializado na Síndrome de Asperger e se tornou um dos maiores especialistas do assunto. Freqüentemente realiza palestras nos Estados Unidos e é o autor de Asperger’s Syndrome: A Guide for Parents and Professionals.
Todos os três livros estão disponíveis em Future Horizons. http://www.onramp.net/autism/