Observar a criança durante os primeiros meses de vida é fundamental para detectar o distúrbio
Por Rafaela Fusieger postado no midiasdigitaisunisul em setembro 26, 2010
“Procurei um médico apenas quando ele tinha três anos, porque sempre tinha alguém que falava: ‘menino demora mesmo para começar a falar’; ‘ele é tímido igual ao pai’. Na verdade, eu deveria ter procurado um médico antes”. O depoimento é de Rosinei Miranda Caetano, mãe de Guilherme. A partir de 1 ano e 6 meses de idade o menino já apresentava déficit no desenvolvimento em relação à fala, no entanto a ajuda médica foi procurada 1 ano e meio depois, e o diagnóstico foi autismo.
Conforme Nicolas Laza, neuropediatra da Colômbia e coordenador do Grupo de Apoio a Distúrbios de Comportamento e de Aprendizagem Neuroxtimular, o autismo pode ser considerado um transtorno do desenvolvimento da função cerebral que impede os indivíduos de “entender e se relacionar adequadamente com o ambiente”. Este distúrbio produz problemas em diferentes graus das relações sociais de comunicação, como a capacidade de expressão e a compreensão da linguagem, além de ocasionar “a redução nas atividades que exigem um certo grau de imaginação, devido à falta de flexibilidade mental”, explica.
Rosinei, mãe de Guilherme, reside em Curitiba e conta que assim que o bebê nasce os pais recebem a caderneta de Saúde da Criança Curitibana. Na caderneta, constam itens relacionados ao desenvolvimento da criança e, assim, mês a mês os pais devem acompanhar e anotar cada evolução do filho. “A partir de 1 ano e 6 meses a 2 anos, no item em que a criança “começa a juntar duas palavras, construir frases simples, pedir as coisas pelo nome” não anotamos nada”.
Em relação aos aspectos físicos, o menino progredia normalmente: começou a andar no tempo certo e também deixou de usar a fralda sem preocupações. No entanto, a mãe conta que o ponto mais crítico realmente foi falar. “Na outra fase (da caderneta), que é de 2 anos a 3 anos, a criança já deve perguntar de tudo, aprender várias palavras, entender e responder perguntas simples, saber o seu nome, o de seus pais, irmãos e avós. Ele não fala isso até hoje, já com 4 anos e 8 meses”, lembra.
A importância do diagnóstico precoce
O autismo manifesta-se sempre antes dos 30 meses de vida da criança, pode aparecer já no nascimento ou durante o desenvolvimento. Aproximadamente 10 a 15% dos indivíduos com autismo têm inteligência normal ou acima do normal; 25 a 35% estão na faixa de um leve retardo mental, enquanto os outros possuem retardo mental de moderado a profundo. Quanto mais cedo a disfunção for detectada, mais possibilidades a criança tem de se desenvolver.
Para a pedagoga Mariana Esteves Statzner, Pós-Graduada em Estimulação Precoce, a intervenção e estimulação precoce desempenha um papel muito importante no desenvolvimento da criança, nos primeiros anos de vida, pois ela ocorre em etapas críticas do desenvolvimento psicomotor. “A finalidade é reabilitar e/ou recompensar os atrasos evolutivos. Nas crianças autistas, a estimulação vai colaborar para o desenvolvimento das características ditas normais. Ou seja, se ocorrer precocemente, a possibilidade do desvio do comportamento ser menos acentuado, é maior”. Ela salienta que é importante pensar que os autistas têm lacunas em algumas áreas, no entanto todos têm potencial para progredir.
Nicolas Laza, neuropediatra, reforça que estudos comprovam que todas as pessoas com autismo podem melhorar significativamente o seu comportamento de acordo com uma adequada educação e intervenção precoce, feita por uma equipe multidisciplinar, utilizando programas especiais personalizados e envolvendo um certo grau de repetição. “Em alguns pacientes em que foi realizada a intervenção precoce, muitas vezes constatamos tanta melhora que tivemos que parar para realizar uma reavaliação do diagnóstico inicial”.
“Além da medicação, passamos também, depois de muitos estudos e ajuda das terapeutas, a perceber que o isolamento muitas vezes, é por não saber como chegar nas pessoas. Temos que ter sempre a iniciativa, e estar ciente disso. Acho muito engraçado quando ele vê alguém que gosta muito, parece que a mente dele pensa: ‘vou abraçar’, o corpo dá o impulso, com se fosse mesmo, mas ele não sai do lugar. Já presenciei isto algumas vezes, aí digo para a pessoa ele quer abraçar. Então a pessoa retribui, dá uns apertões e ele fica feliz”, conta Alessandra, de Florianópolis, mãe de Guillermo, 4 anos, diagnosticado com autismo aos 2 anos e 6 meses.
A intervenção
Atualmente, Mariana, que reside no Rio de Janeiro, faz atendimento domiciliar a cinco crianças autistas. Ela comenta que não trabalha com uma técnica fechada de intervenção. “Porque acho que não cabe, ainda mais quando falamos e pensamos em diversidade. Se todos somos diferentes porque temos que aprender da mesma forma?”, questiona.
A pedagoga segue os preceitos do Programa Son-Rise, que prega uma abordagem prática e abrangente para inspirar a pessoa com autismo a participar espontaneamente de interações divertidas e dinâmicas com outras pessoas, tornando-se aberta, receptiva e motivada para aprender novas habilidades e informações.
“Trabalho a partir dessa filosofia e seguindo os interesses da criança. Mas nada me impede de lançar mão de outras técnicas como o PECS (sistema de utilização de cartões de figuras) e do TEACCH (ensino estruturado). O importante é conhecer as vantagens e desvantagens de cada uma delas e sua aplicabilidade correta. É trabalhar com responsabilidade”, finaliza.
Nicolas Laza, neuropediatra, explica que um bom tratamento para crianças autistas dependente, principalmente, de quatro fatores: 1 – deve ser realizado de forma individualizada; 2 - o envolvimento dos pais deve ser entendido como um fator chave para o sucesso; 3 – o tratamento deve ser bem estruturado; 4 – deve ser intensivo e se estender a todos os contextos do indivíduo.
O não-verbal expressado pelos autistas
“Perceber os sinais… como é difícil! E muitas vezes vejo que a falta de comunicação não é dele, é minha. Falo isso em relação ao tirar fraldas. Quando ele faz coco, ele tira a fralda ou a cueca aonde estiver, claro que suja as perninhas e sai pisoteando tudo pela casa e vai pro chuveiro.
Portanto sempre que faz xixi, principalmente na cueca, ele já corre para o chuveiro e eu tenho medo porque ele pode escorregar. Isso já aconteceu e abriu o queixo, então é aquela tensão: ‘fechou a porta?’, ‘Chaveou?’. É sempre em sentinela, e como cansa!
Faz dois dias que deixei ele de fralda quando chega da aula à tarde. Hoje por um deslize deixamos a porta aberta e ele correu pra lá, logo sentimos que o chuveiro estava aberto, era ele, mas não havia feito nada, tinha se molhado todo, e eu ainda briguei e o repreendi.
Aí ele voltou para o quarto, minutos depois veio ele todo sujo para porta do banheiro e todo pisoteado. Ele tentou avisar do jeito dele, já devia estar sentindo vontade, era mais ou menos o mesmo horário dos dias anteriores, eu que não percebi, mas ele se comunica sim.”
O relato acima é de Alessandra, mãe de Guillermo. Conforme Nicolas Laza, neuropediatra, uma das características clínicas do autismo é o pensamento visual. “Elas pensam em imagens, não em palavras. Através de desenhos compõem o que é abstrato ou complexo, tais como tempo, seqüência, situações sociais”, explica. A linguagem verbal é o “segundo idioma” dos autistas. Neste caso, Guillermo tentou, da sua forma, mostrar que precisava ir ao banheiro.
- A mãe do Autista (Blog onde Alessandra Cruz conta como é ser mãe de um pequeno autista).
- Apatia e desinteresse nas pessoas e abraços ou carícias.
- Choro constante, ou ausência de choro (incomum).
- Repetitivo balançar.
- Problemas de alimentação e/ou dormir.
- Surdez aparente.
- Falta de desenvolvimento de padrões de comunicação em relação à linguagem.
• De 18 meses a 4 ou 5 anos:
- Linguagem ou a falta dela.
- Excitação e/ou ansiedade de difícil controle.
- Resistência a diferentes tipos de alterações.
- Movimentos repetitivos com as mãos, cabeça, corpo, etc.
- Pouco desenvolvimento de respostas de autonomia no vestuário.
- Há muitas vezes auto-agressão.
- Falta de imitação e simbolização.
- Dificuldade de relacionamento.
• Depois dos 5 anos.
- Dificuldade ou incapacidade de lidar com símbolos.
- Persistência de distúrbios da fala.
- Tendência para o isolamento.
- Incapacidade de manter ou iniciar uma comunicação com os outros.
Quadro cedido por Nicolas Laza, neuropediatra da Colômbia e coordenador do Grupo de Apoio a Distúrbios de Comportamento e de Aprendizagem Neuroxtimular.