Juiz das garantias
O juiz das garantias é uma função exercida no inquérito policial, ou seja, na fase investigativa do processo penal, por um juiz de direito, encarregado de atuar como garantidor da eficácia do sistema de direitos e garantias fundamentais do acusado no processo penal e, especialmente de dispor sobre a prisão provisória de uma pessoa investigada e seus respectivos pedidos de liberdade provisória. Também é responsável por analisar os pedidos de medidas cautelares formulados durante o inquérito. Também dispõe sobre pedidos de prorrogação de internação psiquiátrica compulsória. É adotado em países como França, Itália, Panamá[1] e, recentemente, previsto por lei para ser instituído no Brasil.
Na França, o juiz das garantias é chamado juiz das liberdades e da detenção (em francês, Le juge des libertés et de la détention , ou JLD ) e analisa os pedidos formulados pelo juiz de instrução, autoriza o Ministério Público a praticar alguns atos em certos tipos de inquéritos e também dispõe sobre a retenção administrativa de estrangeiros.[2]
No Brasil, essa função foi instituída[3] pela lei número 13.964, de 24 de dezembro de 2019, como um juiz controlador do inquérito policial e necessariamente distinto do juiz que instrui e sentencia o processo, tendo causado polêmica.[4] A autoria do projeto foi da deputada Margarete Coelho e do deputado Marcelo Freixo (auto-intitulou autoria).[5] A sua instituição foi, após alguns dias, impugnada perante o Supremo Tribunal Federal (STF) por várias entidades.[6] No dia 15 de janeiro de 2020, Dias Toffoli por liminar prorrogou a implementação do Juiz das Garantias denegando as ADIs 6298, 6299 e 6300, que pediam a declaração de inconstitucionalidade da norma, cabendo recurso ao relator assim que o Supremo retornasse do recesso[7]. Mas em 22 de Janeiro atendendo à ADI 6305, Luiz Fux derrubou a a decisão de Toffoli e suspendeu por tempo indeterminado a Lei.[8] O mesmo ministro é relator das ADIs citadas.
Na França
[editar | editar código-fonte]História e forma de nomeação
[editar | editar código-fonte]A função foi instituída pela lei francesa da presunção de inocência, de 15 de junho de 2000. O Código de Processo Penal define as regras de sua nomeação: O juiz das liberdades e da detenção é um juiz de direito em posição de presidente, primeiro vice-presidente ou vice-presidente. É designado pelo presidente do tribunal de primeiro grau (tribunal de grand instance).
Atribuições
[editar | editar código-fonte]Entre as atribuições do JLD, estão:
- Durante a fase de inquerito, decidir sobre prisão provisória, liberdade provisória, prisão domiciliar e monitoramento eletrônico.
- Determinar a indisponibilidade de bens em casos de crime organizado.
- Ordenar a internação psiquiátrica compulsória de uma pessoa investigada, bem como determinar sua liberdade.
Iniciativa
[editar | editar código-fonte]A iniciativa dos pedidos de medidas tomadas pelo JLD é do juiz de instrução, do Ministério Público, do hospital de custódia, da prefeitura ou das próprias pessoas investigadas.
Polêmicas
[editar | editar código-fonte]Na França, discute-se até hoje se o JLD pode, após encerrado o inquérito, atuar nas fases posteriores e sentenciar o processo.[9] A lei criada no Brasil veda essa possibilidade, o que é apontado pelas entidades que a questionam como algo que torna inviável a sua instituição.[6] No entanto, para quem defende a instituição legal do juiz de garantias, a exemplo da OAB, se argumenta que a implantação do normativo só cria dificuldades iniciais apenas do ponto de vista administrativo e que em curto espaço de tempo se aplaina na estrutura jurídica do país e que sua efetivação não exige a criação de novos cargos, apenas a regulamentação das distintas atribuições jurisdicionais entre os magistrados com competência criminal.[10][11]
No Brasil
[editar | editar código-fonte]No Brasil, o juiz das garantias foi instituído pela Lei 13.964, sancionada em 24 de dezembro de 2019,[12][13] no entanto, a criação foi suspensa pelo ministro do STF, Luiz Fux, através de uma liminar em 19 de janeiro de 2020.[14] Um dos problemas indicados pelo ministro, para fundamentar a suspensão, diz respeito ao impacto financeiro que poderá ser causado nas contas públicas, o que feriria o novo regime fiscal da União, instituído pela Emenda Constitucional 95/2016.[15] O tema seria objeto de discussão em audiência pública, que seria realizada no mês de março, no entanto, por conta da pandemia de COVID-19, o evento foi suspenso.[16]
Juiz das garantias e juiz de instrução
[editar | editar código-fonte]O juiz de instrução, nos países que o adotam, é o presidente do inquérito judicial, como é chamada a fase investigatória nesses países. Em países como o Brasil, essa fase é chamada inquérito policial e é presidida pelo delegado. Assim, o juiz de instrução é um juiz sob controle, ou seja, com poderes limitados, cabendo esse controle ao juiz de direito que exerce a função de garantias.[17]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ «Ordenan detención provisional del expresidente de Panamá Ricardo Martinelli» (em espanhol). CNN. 21 de dezembro de 2015. Consultado em 29 de dezembro de 2019
- ↑ «Qu'est-ce qu'un juge des libertés et de la détention (JLD) ?» (em francês). Vie Publique. Consultado em 29 de dezembro de 2019
- ↑ Marcello Miller (27 de dezembro de 2019). «Juiz das garantias é avanço e pode fortalecer cultura de imparcialidade». Conjur. Consultado em 29 de dezembro de 2019
- ↑ Fernando Martines, Fernanda Valente e Sérgio Rodas (25 de dezembro de 2019). «Advocacia exalta 'juiz das garantias', enquanto magistratura se mostra receosa». Consultado em 26 de dezembro de 2019
- ↑ «Autora da emenda do juiz de garantias diz que proposta não afeta Lava Jato». Exame. Abril. Consultado em 13 de maio de 2020
- ↑ a b Tábata Viapiana (28 de dezembro de 2019). «Fux decidirá se mantém ou suspende juiz das garantias». Conjur. Consultado em 29 de dezembro de 2019
- ↑ «Toffoli suspende implantação do juiz das garantias por seis meses». Consultor Jurídico. Consultado em 22 de janeiro de 2020
- ↑ «URGENTE: FUX DERRUBA LIMINAR DE TOFFOLI SOBRE JUIZ DAS GARANTIAS». O Antagonista. 22 de janeiro de 2020. Consultado em 22 de janeiro de 2020
- ↑ Michel Huyette (30 de outubro de 2010). «Un président de tribunal peut-il instruire puis juger (en marge de l'affaire Bettencourt)» (em francês). Paroles de Juge. Consultado em 29 de dezembro de 2019
- ↑ OAB defende implantação de juiz de garantias e diz que medida não aumentará custos. G1. Acesso em 19 de janeiro de 2019
- ↑ Participação AMICUS CURIAE na ADIN Nº 6.298/DF
- ↑ «LEI Nº 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019». Consultado em 26 de abril de 2020
- ↑ «Bolsonaro sanciona projeto "anticrime" e mantém 'juiz das garantias'». Revista Consultor Jurídico. 24 de dezembro de 2019. Consultado em 26 de abril de 2020
- ↑ «Ministro Luiz Fux suspende criação de juiz das garantias por tempo indeterminado» (em inglês)
- ↑ Valente, Fernanda (22 de janeiro de 2020). «Juiz das garantias fica suspenso até decisão em Plenário, decide Fux». Conjur. Consultado em 26 de abril de 2020
- ↑ Moura, Rafael Moraes; Netto, Paulo Roberto (12 de março de 2020). «Toffoli e Fux suspendem audiências de juiz de garantias após avanço do coronavírus». Estadão. Consultado em 26 de abril de 2020
- ↑ «Qu'est-ce qu'un juge d'instruction» (em francês). Vie Publique. Consultado em 31 de dezembro de 2019
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Boudiba, Samira (2006). Le juge des libertés dans la procédure pénale. Étude comparée franco-italienne (em francês). [S.l.]: Thèse, Université de Nancy II
- Fonseca Andrade, Mauro. Juiz Das garantias 2 ed. [S.l.]: Juruá. 166 páginas. ISBN 9788536253572