Interesse arqueológico sobre a Pedra da Gávea
A Pedra da Gávea é uma montanha localizada na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, Brasil. A meteorização diferenciada em um dos lados da rocha criou o que é descrito por alguns como um "rosto" humano estilizado. As marcas na outra face da rocha foram descritas como uma inscrição. Alguns indivíduos, como Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, defenderam a posição de que a inscrição é de origem fenícia e possivelmente uma prova de contato entre culturas pré-colombianas e do Velho Mundo (ver contatos transoceânicos pré-colombianos). Entre as teorias alternativas que foram propostas está a de que a rocha era o local de uma colônia de viquingues ou que é conectada com a atividade de OVNIs.
No entanto, há consenso entre geólogos e cientistas de que a "inscrição" é o resultado do processo natural de erosão e de que o "rosto" é um produto de pareidolia. Nenhuma evidência credível que sustente a ideia de que a Pedra da Gávea foi descoberta por fenícios ou por qualquer outra civilização não nativa nunca foi coletada. Além disso, o consenso de arqueólogos e acadêmicos no Brasil é de que a montanha não deve ser vista como um sítio arqueológico, sendo todas as hipóteses deste tipo consideradas como teorias marginais.
Suposta inscrição
[editar | editar código-fonte]Há uma suposta inscrição esculpida na rocha da montanha brasileira da Pedra da Gávea, que alguns afirmam estar em fenício, uma língua semítica conhecida pelos estudiosos modernos apenas a partir de inscrições. De acordo com Paul Herrmann em seu livro Conquests by Man, a inscrição na montanha é conhecida há algum tempo, mas tinha sido meramente atribuída a "algum povo americano pré-histórico desconhecido".[2] Um exame mais detalhado, no entanto, levou alguns pesquisadores a acreditar que ela era de origem fenícia.[2] A inscrição transliterada, conforme o brasileiro Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, é: "LAABHTEJBARRIZDABNAISINEOFRUZT".[1]
Tendo em conta que o fenício é escrito da direita para a esquerda,[3] acredita-se que a inscrição deve ser lida como "TZUR FOENISIAN BADZIR RAB JETHBAAL", que é traduzido aproximadamente como "Tiro, Fenícia, Badezir, primogênito de Jethbaal".[2] Alega-se que isto possa corresponder a um governante fenício chamado Badezir,[nota 1] que governou Tiro em meados do século IX a.C., c. 850 a.C.[2][5] Também alega-se que o "rosto" da rocha foi esculpido à semelhança de Badezir.[6] Uma edição do The INFO Journal especulou se a montanha contém um túmulo fenício,[7] embora não haja nenhuma evidência científica que sugira isto.[8]
História
[editar | editar código-fonte]De acordo com relatos, missionários cristãos foram o primeiro grupo de pessoas a notar as marcas estranhas. Eles falaram sobre suas descobertas a João VI, o Rei de Portugal na época; seu filho, Pedro I do Brasil, mais tarde se interessou por essas teorias.[8][9] Em 1839, Januário da Cunha Barbosa e Araújo Porto Alegre, em nome do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), realizaram o primeiro estudo oficial da montanha. Posteriormente, publicaram um artigo intitulado "Relatório Sobre uma Inscrição da Gávea" no qual examinaram as marcas mais de perto.[10][11] Na década de 1930, Ramos estudou a montanha, na esperança de que pudesse provar suas crenças de que "existia uma civilização pré-colombiana no continente americano contemporânea ao apogeu da expansão fenícia e grega no Mediterrâneo".[12] Ele afirmou ter "conseguido decifrar as inscrições" que foram descritas pelo IHGB[13] e publicou posteriormente um livro de dois volumes intitulado Tradições da América Pré-Histórica, Especialmente do Brasil, onde tentou documentar todas as provas das supostas inscrições fenícias no Brasil.[12]
Várias outras pessoas e organizações têm tentado racionalizar e verificar a inscrição. Pelo menos um estudo foi realizado por um élder mórmon chamado Irineu Petri para encontrar "a possível relação entre a inscrição [...] e o Livro de Mórmon".[14] O arqueólogo argentino Jacques de Mahieu argumentou que a inscrição não era fenícia, mas sim runas nórdicas, que diziam: "Próximo a este rochedo, numerosas pranchas de carvalho para navio estão depositadas nas praias de areia grossa".[15] Além disso, ele argumentou que os viquingues teriam reverenciado o local, visto que a montanha teria aparecido a eles como seu deus Odin.[15] Outras pessoas acreditavam que as cavernas que formam os "olhos" estão "ligadas a outras civilizações" ou ligadas "à cidade subterrânea de Shambala".[8] Outros ainda acreditavam que Pedra da Gávea fazia parte de uma alegada rota de OVNIs.[8] A International Fortean Organization usou a descoberta de 1982 do que se acreditava ser ânforas fenícias na Baía de Guanabara por Robert F. Marx como evidência de que os fenícios estiveram pelo menos na região.[7][nota 2]
Análise científica
[editar | editar código-fonte]Como a pesquisa de Barbosa e Porto Alegre foi realizada durante os primeiros anos do reinado do imperador brasileiro Pedro II, Lucia Maria Pascoal Guimarães e Birgitte Holten postularam mais tarde que o foco na Pedra da Gávea era uma tentativa do Império Brasileiro de construir a nação e "estabelecer as raízes de um Estado etno-cultural ancorado no conceito do Velho Mundo".[18] O trabalho de Ramos, em particular, foi criticado por cientistas e estudiosos. O hispanista e arabista tcheco Alois Richard Nykl escreveu que Ramos "adotou princípios errados e, consequentemente, chegou a conclusões erradas".[12] Além disso, Nykl escreveu que "procurar equivalentes fenícios e gregos em petróglifos misteriosos [...] é pura imaginação desprovida de qualquer base sólida".[12] Em um artigo para a Live Science, Kim Ann Zimmermann argumentou que a crença nas inscrições e no "rosto" na Pedra da Gávea são exemplos de pareidolia, o fenômeno psicológico que envolve um estímulo vago e aleatório que é percebido como significativo.[19]
A maioria dos pesquisadores sugere que a inscrição e o "rosto" são meramente resultados da erosão. Barbosa e Porto Alegre concluíram inicialmente que embora fosse possível que as marcas fossem letras fenícias corroídas, havia também a possibilidade de que fossem feitas por processos naturais.[9][10][11] T. Cooper Clark, colega da Royal Geographical Society e do Instituto Antropológico Real da Grã-Bretanha e Irlanda, em seu artigo "O XX Congresso Internacional de Americanistas", descreveu uma expedição que ele levou ao local e alegou que "as linhas são formadas apenas pela erosão" e que "a própria inacessibilidade do lugar imediatamente descarta a ideia de que tais marcas sejam obra do homem".[20] No livro Geomorphological Landscapes of the World, sugere-se que a "face" da estrutura é o resultado de intemperismo diferencial no ponto em que a cúpula de granito da montanha encontra a camada de gnaisse.[21] Em agosto de 2000, um grupo de geólogos viajou até o cume da Pedra da Gávea com equipamentos para determinar se a montanha possuía qualquer espaço oco; seus resultados mostraram que a estrutura era sólida e que não havia túneis internos ou túmulos. O grupo também concluiu que as "inscrições" eram apenas sulcos verticais que haviam sido formados nas partes menos resistentes da pedra.[8]
Em meados da década de 1950, o Ministério da Educação e Saúde do Brasil negou que o local apresentasse qualquer tipo de escrita, declarando "que o exame feito por geólogos havia provado ser nada mais do que o efeito da erosão do tempo aquilo que parecia ser uma inscrição".[22] Arqueólogos e estudiosos brasileiros adotaram uma atitude negativa em relação ao tratamento do local, sendo que Herrmann observou que "a arqueologia brasileira nega totalmente a existência de inscrições fenícias em qualquer parte do país".[22]
Ver também
[editar | editar código-fonte]- Teoria da presença de fenícios no Brasil
- Arqueologia da América
- Geografia do Brasil
- Pseudoarqueologia
Notas
- ↑ Também escrito como Badzir, Badezor, Badezorus, Baal-Eser II e Balbazer II. Seu pai era Etbaal I, também escrito como Jethbaal.[2][4][5]
- ↑ Marx observou que as ânforas podiam ser fenícias, mas provavelmente eram de origem romana, datando do século III.[16][17] Ele mais tarde especulou que provavelmente eram de um navio que acabou na costa brasileira depois de ser soprado através do oceano durante uma tempestade.[17]
Referências
- ↑ a b Ramos (1930), p. 458.
- ↑ a b c d e Herrmann (1954), p. 212.
- ↑ «The Phoenician Alphabet and Language». Ancient History Encyclopedia. 18 de janeiro de 2012. Consultado em 10 de setembro de 2013
- ↑ Josephus (1810), p. 216.
- ↑ a b Ramos (1930), p. 452.
- ↑ Twidale (1982), p. 75.
- ↑ a b «Is There a Phoenician Tomb in Brazil's Pedra de Gavea?». International Fortean Organization. The INFO Journal. 10–11: 12. 1984. Consultado em 9 de setembro de 2013
- ↑ a b c d e Faria, Antonio Paulo (4 de março de 2009). «A Pedra da Gávea». Alta Montanha. Consultado em 12 de setembro de 2013
- ↑ a b Waggoner (2008), p. 1–650.
- ↑ a b Barbosa, Januário da Cunha; Porto Alegre, Manuel de Araújo (1839). «Relatório Sobre a Inscrição da Gávea». Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. RIHGB: 86–91. Consultado em 9 de setembro de 2013
- ↑ a b Turin (2005), p. 103.
- ↑ a b c d Nykl, A.R. (Dezembro de 1950). «Inscripções é Tradições da América Prehistórica Especialmente do Brasil by Bernardo De Azevedo Da Silva Ramos». University of Chicago Press. Isis. 41 (3/4): 318. JSTOR 227072. doi:10.1086/349215
- ↑ Sommer, Frederico (Outubro–Dezembro de 1920). «Stone Inscriptions and Escutcheons». American Anthropological Association. American Anthropologist. 22 (4): 388–389. JSTOR 660340. doi:10.1525/aa.1920.22.4.02a00140
- ↑ Glover (1977), p. 200.
- ↑ a b Buonfiglio, Monica (2009). «Descubra o mistério da Pedra da Gávea». Portal Terra. Consultado em 20 de dezembro de 2016
- ↑ Margolis, Mac (1982). «Ancient Voyagers to the New World; Columbus May Have Missed the First Boat». The Christian Science Monitor (em inglês). Rio de Janeiro: Christian Science Publishing Society. Consultado em 20 de dezembro de 2016.
I'm positive it's an ancient shipwreck, possibly Phoenician, but probably Roman. [Eu estou certo que é um naufrágio antigo, possivelmente fenício, mas provavelmente romano.]
- ↑ a b Marx (2004), p. 31.
- ↑ Guimarães, Lucia Maria Paschoal; Holten, Birgitte (19 de abril de 1997). Presented at the Meeting of the Latin American Studies Association. «A Suposta Presença Escandinava na Terra de Santa Cruz e a Ciência» (PDF): 5–6. Consultado em 10 de setembro de 2013
- ↑ Zimmermann, Kim Ann. «Pareidolia: Seeing Faces in Unusual Places». LiveScience. Consultado em 11 de dezembro de 2012
- ↑ Clark, T. Cooper (1922). «The XXth International Congress of Americanists». Indiana University. The Pan-American Magazine and New World Review. 36: 286–287. Consultado em 9 de setembro de 2013
- ↑ Migoń (2010), p. 94.
- ↑ a b Herrmann (1954), p. 214.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Glover, Mark, ed. (1977). The Mormon Church in Latin America: A Periodical Index (1830–1976) (em inglês). [S.l.]: Harold B. Lee Library
- Herrmann, Paul (1954). Conquest by Man. Translated by Michael Bullock. [S.l.]: Hamish Hamilton. ISBN 9781199054388
- Josephus, Flavius (1810). The Genuine Works of Flavius Josephus. Translated by William Whiston. [S.l.]: Columbia University. ISBN 9781163637531
- Marx, Robert (2004). Treasure Lost at Sea: Diving to the World's Great Shipwrecks. [S.l.]: Firefly Books. ISBN 9781552978726
- Migoń, Piotr, ed. (2010). Geomorphological Landscapes of the World. [S.l.]: Springer Publishing. ISBN 9789048130559
- Ramos, Bernardo de Azevedo da Silva (1930). «Chapter XIV». Tradiçoes da America Pré-Histórica, Especialmente do Brasil Vol. I. [S.l.]: Imprensa Nacional
- Turin, Rodrigo (2005). «A 'Obscura História' Indígena. O discurso Etnográfico no IHGB (1840–1870)». Estudos Sobre a Escrita da História: Anais do Encontro de Historiografia e História Política. [S.l.]: 7Letras. ISBN 9788575773505
- Twidale, C. R. (1982). Granite Landforms. [S.l.]: Elsevier. ISBN 9780444597649
- Waggoner, John (2008). Brazil Travel Adventures. [S.l.]: Hunter Publishing. ISBN 9781588436764