Ésquines Socrático
Ésquines | |
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Nascimento | 430 a.C. Esfeto |
Morte | 360 a.C. (69–70 anos) Atenas |
Cidadania | Atenas Antiga |
Ocupação | filósofo |
Ésquines Socrático (em grego clássico: Αἰσχίνης Σωκρατικός; em latim: Aeschines Socraticus) ou Ésquines de Esfeto (em grego clássico: Αἰσχίνης Σφήττιος), c. 425 – c. 350 a.C., filho de Lisânias, do demo de Esfeto, em Atenas, foi em sua juventude um seguidor de Sócrates.[1] Os historiadores chamam-no de Ésquines Socrático para diferenciá-lo do orador ateniense historicamente mais influente também chamado Ésquines.
Biografia
[editar | editar código-fonte]De acordo com Platão, Ésquines de Esfeto esteve presente no julgamento e execução de Sócrates.[1][2] Sabe-se que após a morte de Sócrates, Ésquines passou a escrever diálogos filosóficos, assim como fazia Platão, nos quais Sócrates era o orador principal. Embora os diálogos de Ésquines tenham sobrevivido apenas como fragmentos e citações de escritores antigos, ele era renomado na antiguidade por sua descrição exata das conversas socráticas. De acordo com John Burnet, o estilo de Ésquines de apresentar o diálogo socrático era mais próximo ao de Platão do que o de Xenofonte.[3] (Alguns estudiosos modernos acreditam que os escritos de Xenofonte são inspirados, quase que inteiramente, por Platão e/ou pela influência de outros socráticos, tais como Antístenes e Hermógenes).[4]
Originário do demo ático de Esfeto — cujos habitantes eram conhecidos pela causticidade[5] — Ésquines era filho de um açougueiro chamado Lisânias ou, segundo outras fontes, Charinos,[6] Platão, Apologia de Sócrates, XXII, dá o nome de Lisânias; esta origem muito modesta e a pobreza contra a qual lutou ao longo da vida, muitas vezes o desprezaram. Ele e seu pai eram amigos íntimos de Sócrates, a quem o jovem se apegou e de quem nunca deixou.[6] Ésquines também seguiu as lições de Górgias, que ele mais tarde imitou,[7]
Tendo atingido a idade adulta, ensinou retórica para garantir a sua subsistência: segundo o tratado Sobre os Socráticos de Idomeneu de Lâmpsaco, teria sido Sócrates, o primeiro a fazê-lo, mas a questão é debatida;[8] segundo Idomeneu de Lâmpsaco, foi Ésquines, e não Críton, quem aconselhou Sócrates a fugir de sua prisão,[9] ao contrário do que diz Fédon,[10] onde Platão, por inimizade pessoal, teria ocultado o papel desempenhado por Ésquines.[11] Ésquines compôs Diálogos, que talvez fossem todos do tipo socrático; segundo Idomeneu de Lâmpsaco e Menedemo de Erétria,[12] a partir de conversas de Sócrates relatadas por Xântipe, com quem, após a morte de seu marido, Ésquines teria mantido um relacionamento e com quem ele teria se casado.[13] Este recurso às memórias de uma viúva levou alguns a dizerem que ele se apropriara das palavras de Sócrates: foi assim que o censurou, caluniosamente segundo Diógenes Laércio, Menedemo de Erétria.[12] Este último, ou pelo menos seu círculo, teria mesmo afirmado que Xântipe deu a seu novo marido escritos (syggrammata) de Sócrates, o que equivale a acusar Ésquines de plágio.[14] Ésquines era considerado caluniador, avarento e depravado. De acordo com alguns fragmentos do discurso de Lísias, ele era atrevido, caloteiro quando se tratava de pagar dívidas, e sua moral dissoluta lhe rendeu uma péssima reputação. Para desacreditar seu oponente, o reclamante do discurso Contra Ésquines, o Socrático acusa-o, entre outras coisas, de ter seduzido a esposa de um cidadão para monopolizar sua fortuna e acrescenta: "Sempre que ele empresta um eranos, ele não paga na data de vencimento: com ele, é dinheiro jogado na rua".[15]
Ésquines viveu por vários anos no exílio na corte de Dionísio II em Siracusa; lá permaneceu até o final de seu reinado.[16][17] Retornou por volta de 356 a.C., a Atenas, onde ensinou retórica, não por meio de cursos, mas de palestras pagas,[18] imitando Aristipo, o Jovem, o primeiro a fazê-lo.[19] Para explicar a boa sorte de Ésquines com o tirano siciliano,[17] duas fontes são contraditórias: Diógenes Laércio afirma que se deve à intervenção de Aristipo, o Jovem, que o apresentou a Dionísio II, enquanto Platão o tratou com o maior desprezo;[20] de acordo com Plutarco, por outro lado, era aos bons ofícios de Platão que ele devia esse favor. Plutarco relata que Ésquines, diante do tirano, leu seu Miltíades — na verdade era o Alcibíades —, e que então, vendo a aprovação de seu público, decidiu viver, como parasita, na corte de Siracusa.[21] Nada se sabe de seus últimos anos de vida; o local e a data de sua morte são desconhecidos.
Filosofia
[editar | editar código-fonte]De acordo com Ésquines Socrático, sua capacidade de ser útil aos homens não é uma arte; Sócrates pode tornar melhores aqueles que se unem, a ele, pelo único sentimento de amor.[22]
Obras
[editar | editar código-fonte]Desde a Antiguidade, discute-se a autenticidade das obras atribuídas a Ésquines de Esfeto: Perístrato de Éfeso negou ao nosso autor a autoria dos chamados diálogos “acéfalos”.[23] O estoico Perseu de Cítio estudou os textos homônimos de Antístenes e Ésquines a fim de classificar os escritos autênticos, identificando as falsificações devidas a Pasifonte de Erétria.[24] Diógenes Laércio enumera sete títulos de diálogos que os estudiosos atribuíram a Ésquines com certeza.[25] De todas essas obras, apenas fragmentos escassos permanecem. Até onde se pode julgar, essas peças parecem dar um reflexo fiel do método socrático, bem como da elegância ática.
O Alcibíades de Ésquines está parcialmente preservado em um papiro de Oxirrinco publicado em 1916.[26] É uma conversa entre Sócrates e Alcibíades: este último se sente superior a seus contemporâneos e aos grandes políticos do passado. Durante a conversa, Sócrates o leva à conclusão de que grandes vantagens não dependem de talentos inatos, mas de habilidades que se aprende com o tempo. Alcibíades fica consternado, começa a chorar, deita a cabeça no colo de Sócrates e diz que não é diferente de seus concidadãos. Ele, portanto, pede a Sócrates que o ajude a alcançar a excelência.[27] Cícero cita em seu Aspásia, um diálogo socrático que trata da misoginia e da igualdade de gênero:[28] Aspásia de Mileto fala com Xenofonte e sua esposa e dá palestras a este mostrando sua frivolidade.[29] Em seu Alcibíades, ele diz de Temístocles que ele só poderia decidir sobre grandes esperanças de salvação para os atenienses.
O diálogo Cálias expõe uma disputa entre Cálias e seu pai, zomba dos sofistas[30] Pródico e Anaxágoras[31] e condena o uso que Cálias fez de sua fortuna.[32]
Em seu diálogo intitulado Telauges, Ésquines zomba das roupas do pitagórico Telauges e critica, entre outras coisas, seu próprio colega de classe, Critóbulo, filho de Críton de Atenas, de cuja grosseria e sujeira ele culpa;[33][34] e lemos que Telauges pagava meio óbolo todos os dias ao trabalhador que amassava e golpeava os tecidos, banhando-os em água com adição de substâncias diversas, para os sentir, amaciar, impermeabilizar e garantir o acabamento pelas roupas que vestia, que se cingia com uma pele enfeitada o cabelo e calçava sandálias com tiras de esparto podre.[35]
Em seu Axíoco,[36] Ésquines censura Alcibíades por sua embriaguez e sua paixão desenfreada pelas esposas dos outros.[35]
Dos Milcíades, dois fragmentos foram preservados.[37] Louis-André Dorion considera que sua semelhança com uma passagem do Livro IV dos Memoráveis de Xenofonte[38][39] é grande demais para ser acidental: as coincidências lexicais traem a imitação.[40] Plutarco relata um fragmento de Ésquines em que vemos Ischomaque, discípulo de Sócrates: é ele quem convence Aristipo a se tornar também aluno de Sócrates.[41]
História
[editar | editar código-fonte]Segundo Ésquines, Lísico, general e estratego ateniense e secretário dos tesoureiros da deusa Atena, viveu, após a morte de Péricles, com Aspásia de Mileto, que lhe deu um filho e a quem deveu sua ascensão política.[42]
Diálogos socráticos
[editar | editar código-fonte]De acordo com Diógenes Laércio, Ésquines escreveu sete diálogos socráticos:[43]
- Alcibíades (não deve ser confundido com o diálogo platônico de mesmo nome);
- Aspásia;
- Axíoco (não deve ser confundido com o diálogo de mesmo nome erroneamente incluído na coleção de escritos platônicos);
- Cálias;
- Milcíades;
- Rhinon;
- Telauges.
Destes, temos mais informações sobre Alcibíades e Aspásia, e apenas um pouco sobre os outros. A Suda, uma enciclopédia bizantina compilada uma dúzia de séculos depois, atribui a Ésquines várias outras obras chamadas de "acéfalas" (akephaloi): Phaidon, Polyainos, Drakon, Eryxias, Da Excelência, Erasistratoi, e Os Skythikoi.[44] Poucos estudiosos modernos acreditam que essas outras obras foram escritas por Ésquines.[45]
Edição de fragmentos, testimonia e traduções
[editar | editar código-fonte]- KRAUSS, H. Aeschinis Socratici reliquiae. Edidit et commentario instruxit Heinrich Krauss. Leipzig, B.G. Teubner, 1911 (X-124 p.).
- CARVALHAR, Carlos. Tradução contextualizada dos fragmentos do diálogo Alcibíades de Ésquines de Esfeto, o Socrático. TCC - Bacharel Grego e Latim, Salvador: UFBA. 2023.
- MÁRSICO, Claudia. Socráticos. Testimonios y Fragmentos. Antístenes, Fedón, Esquines y Simón. Buenos Aires: Losada, 2014. v. 2
- PENTASSUGLIO, Francesca. Eschine di Sfetto. Tutte le testimonianze. Turnhout: Brepols, 2017.
- DITTMAR, Heinrich. Aischines von Sphettos. Studien zur Literaturgeschichte der Sokratiker. New York: Arno Press, 1976.
- GIANNANTONI, Gabriele. Socratis et Socraticorum reliquiae. Napoli: Bibliopolis, 1990b. v. 2
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Laércio, Diógenes (1925). «"The Academics: Arcesilaus"». Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres 🔗 (em inglês). 1:4. Traduzido para o inglês por Robert Drew Hicks. Londres: Loeb Classical Library
- Gouirand, Pierre (2005). Aristippe de Cyrène: le chien royal: une morale du plaisir et de la liberté (em francês). Paris: Maisonneuve et Larose. 478 páginas. ISBN 978-2-7068-1849-3. LCCN 2005475232.
- Xenofonte (2014). Banquete; Apologia de Sócrates. 🔗. Traduzido por François Ollier. Paris: Les Belles Lettres. pp. 21–22. OCLC 10250441
- Platão (2008). Apologie de Socrate: Platon, Oeuvres complètes. Traduzido por Luc Brisson. Paris: Flammarion. OCLC 300432894
- Alesse, Francesca; Dorion, Louis-André (2001). Figures de Socrate (em francês). Traduzido por Michel Narcy. [S.l.]: Presses universitaires du Septentrion. 223 páginas. ISBN 2-85939-711-6
- Ateneu. Athénée de Naucratis: Deipnosophistes (em francês). Traduzido para o francês por Philippe Remacle. [S.l.: s.n.]
- Plutarco (2015). Maneiras de distinguir o adulador do amigo. Col: La Petite Bibliothèque (em francês). Traduzido por P. Maréchaux. Paris: Payot & Rivages. 172 páginas. ISBN 978-2-7436-2966-3
- Brancacci, Aldo (2014). Antisthène: Le Discours propre (em francês). Traduzido por Sophie Aubert. Paris: Librairie philosophique J. Vrin | Éditions Vrin. 283 páginas. ISBN 2-7116-1726-2
- Xenofonte (2014). Xénophon - Oeuvres complètes: Classcompilé n° 137 (em francês). Traduzido por Pierre Chambry. [S.l.]: lci-eBooks
Estudos
[editar | editar código-fonte]- Heinrich Dittmar, Aischines von Sphettos. Studien zur Literaturgeschichte der Sokratiker. Untersuchungen und Fragmente. Hildesheim, Weidmann, 2001² (= Philologische Untersuchungen, 21). C'est la réimpression inchangée de la première éd., Berlim, 1912 (XII-328 p.).
- Barbara Ehlers, Eine vorplatonische Deutung des sokratischen Eros: der Dialog Aspasia des Sokratikers Aischines. Munique, Beck, 1966 (= Zetemata, 41) (IV-150 p.).
- Gabriele Giannantoni, « L’Alcibiade di Eschine e la letteratura socratica su Alcibiade », dans Id. & M. Narcy (a cura di), Lezioni Socratiche. Nápoli, 1997, p. 349–373. Tradução fr.: « L’Alcibiade d'Eschine et la littérature socratique sur Alcibiade », dans Gilbert Romeyer Dherbey (dir.) & Jean-Baptiste Gourinat (éd.), Socrate et les Socratiques. Paris, J. Vrin, 2001 (= Bibliothèque d'histoire de la philosophie. Nouvelle série), pp. 289-307.
- Kurt Lampe, « Rethinking Aeschines of Sphettos », dans Ugo Zilioli (ed.), From the Socratics to the Socratic Schools. Classical Ethics, Metaphysics and Epistemology. Nova Iorque & Londres, Routledge, 2015, p. 61-81.
Notas e referências
- ↑ a b Platão, Apologia de Sócrates, 33.º
- ↑ Fédon, 59b
- ↑ Burnet, John (19 de julho de 2014). «II - Plato and Socrates». Platonism (em inglês). [S.l.]: Edicions Enoanda
- ↑ Por exemplo,Kahn, Charles H. (9 de janeiro de 1997). Plato and the Socratic Dialogue: The Philosophical Use of a Literary Form (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press. pp. 76–79 e 393–401
- ↑ Daí o adjetivo sphettios / em grego clássico: Σφήττιος que significa "mordaz", "importuno", "azedo"; cf. Aristófanes (2007). Pluto ou Um deus chamado dinheiro. [S.l.]: Editora 34. p. 720
- ↑ a b Laércio 1925, Livro II, 60, p. 266.
- ↑ Laércio 1925, Livro II, 63, p. 271, confirmado por Filóstrato, Epistula ad Iuliam Augustam (Carta 73, 3 de Filóstrato, p. 487 Hercher).
- ↑ Laércio 1925, Livro II, 20, p. 229 e nota 8, p. 229-230.
- ↑ Gouirand 2005, p. 359.
- ↑ 44a
- ↑ Laércio 1925, Livro II, 60, p. 267 e nota 5; III, 36, p. 417. Ver Alesse & Dorion 2001, p. 130.
- ↑ a b Laércio 1925, Livro II, 60, p. 267.
- ↑ Ateneu, Livro XIII, 93.
- ↑ Ateneu, Deipnosophistes.
- ↑ Lísias, frag. 38, 4 = «Deipnosophistes». remacle.org, XIII, 611e. Trad. de Gernet-Bizos para a Collection des Universités de France.
- ↑ De Filóstrato, o Ateniense, Vida de Apolônio de Tiana, cap. XXXV.
- ↑ a b Plutarco 2015, p. 141.
- ↑ Laércio 1925, Livro II, 62.
- ↑ Laércio 1925, Livro I, 65.
- ↑ Laércio 1925, Livro II, 61, p. 269; Livro III, 36, p. 417
- ↑ Plutarco 2015, 67 c-e.
- ↑ Brancacci 2005, p. 148
- ↑ Laércio 1925, Livro II, 61, p. 267.
- ↑ Laércio 1925, Livro II, 61, p. 268.
- ↑ De acordo com Suda.
- ↑ P. Oxy. 1608 (19 fragmentos).
- ↑ Sobre as intenções de Ésquines em seu Alcibíades, ver em particular: A. Giannantoni (1997, trad. fr. 2001); Kurt Lampe, “Rethinking Aeschines” (2015), p. 69-70.
- ↑ Cícero, De Inventione, I, 51.
- ↑ Dittmar (1912), p. 30-60; Ehlers (1966).
- ↑ Xenofonte 2014, p. 21
- ↑ Brancacci 2014, p. 56
- ↑ Xenofonte 2014, p. 22
- ↑ Filho e sucessor de Pitágoras, Telauges (em grego clássico: Τηλαύγης) foi um dos mestres de Empédocles.
- ↑ Sobre o Telauges de Ésquines,: Kurt Lampe, "Rethinking Aeschines" (2015), p. 67-68.
- ↑ a b Ateneu, Livro V, 62, 220a.
- ↑ Esta é uma obra esquiniana de mesmo nome separada do pseudo-platônico Axíoco que chegou até nós hoje, considerada tardia hoje (não antes do século II a.C.), e na qual não é feita menção de Alcibíades.
- ↑ Papiros de Oxirrinco n.º 39.
- ↑ Xenofonte, Memoráveis, IV, 4, 5.
- ↑ Xenofonte 2014, p. 399.
- ↑ Alesse & Dorion 2001, p. 123.
- ↑ Plutarco, Sobre a curiosidade, 2.
- ↑ Plutarco, A Vida de Péricles. [S.l.: s.n.], XXIV, 6.
- ↑ Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos Eminentes, ii. 61
- ↑ "Αἰσχίνης". Suda. Adler number: «SOL Search». www.cs.uky.edu. Consultado em 21 de setembro de 2021
- ↑ "É de consenso geral que a declaração do Suda relativo a [akephaloi] não é confiável" (D. E. Eichholz, "O Diálogo Pseudo-platônico Eryxias", The Classical Quarterly, Vol. 29, No. 3. (1935), pp. 129-149 at pp. 140-141).
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- Chisholm, Hugh, ed. (1911). «Aeschines (Athenian philosopher)». Encyclopædia Britannica (em inglês) 11.ª ed. Encyclopædia Britannica, Inc. (atualmente em domínio público)