Avempace

filósofo, médico, astrônomo, geómetra, músico e poeta de Al-Andalus no século XII

Abacar Maomé ibne Iáia ibne Saigue ibne Baja (em árabe: أبو بكر محمد بن يحيى بن الصايغ; romaniz.: Abu Bakr Muhammad ibn Yahya ibn al-Sa'ig ibn Bajjah; Saragoça, Taifa de Saragoça, c. 1080Fez, 1138), conhecido por ibne Baja, e no Ocidente como Avempace, foi um filósofo do Alandalus, que cultivou também a medicina, a poesia, a física a botânica, a música e a astronomia.

Avempace
Avempace
Nascimento 1080
Saraqusta (Taifa de Saragoça)
Morte 1139 (58–59 anos)
Fez
Sepultamento Fez
Cidadania Taifa de Saragoça
Ocupação filósofo, matemático, astrônomo, escritor, médico, botânico
Religião Islamismo
Interior do Palácio da Aljaferia de Saragoça, onde se reuniam os intelectuais entre os que esteve Avempace.

O seu pensamento teve grande influência em Averróis e Alberto Magno. A maioria dos seus escritos ficaram incompletos (ou desorganizados) devido à sua morte súbita. Tinha vastos conhecimentos de medicina, matemática e astronomia. A sua obra capital, intitulada O regime do solitário, expressa um protesto moral contra o materialismo e a vida mundana das classes dominantes da época. Afirma que, dada a corrupção da sociedade, o homem que compreendeu a sua verdadeira condição deve ficar à margem dela, pelo menos com o pensamento. Também muito aclamado pelo seu país, hoje é reconhecido como um grande cientista.

Iniciador da filosofia andalusina

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Avempace é uma das personalidades mais relevantes da história intelectual e filosófica do ocidente árabe. A sua importância radica em três pontos:

  1. É o primeiro filósofo propriamente do Alandalus. Antes dele floresceram teólogos, médicos, juristas, astrônomos, literatos, mas ninguém se dedicara à especulação filosófica com o rigor de Avempace.
  2. É a figura fundamental dum momento de máximo esplendor na vida cultural da Taifa de Saragoça, cujo apogeu político e intelectual decorreu entre o último quartel do século XI e os anos que transcorreram até a sua conquista por parte do rei Afonso I de Aragão em 1118. Entre as figuras que se destacaram na corte dos reis da dinastia Banu Hude, que constroem o magnífico palácio da Aljaferia, encontram-se ilustres personalidades, quer judeus como ibne Gabirol (Avicebrom), ibne Esdras, Jehuda ha Levi, ibne Pacuda, quer muçulmanos como ibne Fatum Alhimar e Alquirmani, que introduziu a Enciclopédia dos Irmãos da Pureza em Saragoça em 1060.

Neste âmbito Avempace destacou-se como músico, poeta, médico, botânico, astrônomo, astrólogo, matemático, físico, lógico, e político. Foi gabado como o maior dos filósofos andalusinos pelos seus contemporâneos, entre eles Maimónides, ibne Tufail e Averróis. É citado, também, pelos filósofos da tradição cristã, influindo diretamente em São Tomás de Aquino e Santo Alberto Magno.

  1. A contribuição própria para a filosofia. Avempace assume na sua integridade a filosofia de Aristóteles pela primeira vez no Ocidente, inspirado, nos comentários de Al-Farabi e Avicena, e põe esta corrente empírica ao serviço duma síntese entre o platonismo, o aristotelismo, e a mística muçulmana, ocasionando uma filosofia pessoal, um racionalismo místico islâmico no que beberam filósofos posteriores, sobretudo o cordovês Averróis.

Biografia

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A Aljaferia, palácio dos reis taifas e Almorávidas da Taifa de Saragoça. Avempace foi vizir de ibne Tifiluite entre 1115 e 1117

Nasceu em Saragoça entre 1070 e 1090 de família humilde, filho de prateiros. Quando Saragoça foi ocupada pelos Almorávidas, o seu primeiro governador, ibne Tifiluite, recebeu-o entre os seus íntimos, nomeando-o vizir, cargo que ocupou provavelmente de 1115 a 1117. Durante esse período foi enviado para uma missão diplomática ante os hudis desterrados, mas foi feito prisioneiro por estes, embora por pouco tempo. Em 1118, com a conquista cristã, tive de emigrar, encontrando-se em Játiva, Almeria, Granada e Orão, até parar na cidade de Fez, onde faleceu, provavelmente envenenado, em 1139.

As suas obras abrangem mais de quarenta títulos, embora a maioria não chegassem à atualidade. Destacam-se, em primeiro lugar, os comentários às obras de Aristóteles, que parecem pertencer à primeira etapa da sua produção, em Saragoça. Assim, os Comentários à Física, à Lógica, o tratado Sobre a alma, o da Geração e corrupção, a História dos animais e a História das plantas, entre outras.

Entre as suas obras originais, duma etapa posterior, no exílio, se tem de mencionar sobretudo três: O regime do solitário, o Tratado da união do Intelecto com o Homem e a Carta do adeus.

Diversidade dos seus saberes

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Avempace destacou-se em primeiro lugar como filósofo, pois foi o iniciador no Alandalus dum pensamento filosófico puro, conhecido no mundo árabe como falasifa, que se distinguia do pensamento teológico, que geralmente se dava no Alandalus. Para isso, o pensamento racional era desligado de qualquer fim religioso, e o seu caminho devia ser o da lógica aristotélica. Foi neste ponto que Avempace traçou o caminho que seguiriam Averróis e Maimónides. Por outro lado, o pensamento hispano-medieval anterior a Avempace procurava primariamente uma explicação racional à verdade revelada do Corão, e para isso tentava conciliar um neoplatonismo ascético ou místico com o pensamento.

Embora Avempace fosse pioneiro como filósofo, a sua atividade intelectual decorreu em muitos outros campos do conhecimento. Profissionalmente era médico, e por isso era farmacólogo e botânico, pois estas três disciplinas estavam estreitamente ligadas no Islão, pois o conhecimento das plantas era usado como base da curação. Como músico foi assim mesmo célebre entre os seus contemporâneos. Quanto à formação intelectual, era obrigado no mundo árabe dominar as disciplinas científicas mais valorizadas, as quais eram a física e a astronomia, que no seu tempo não se distinguia claramente da astrologia, bem como a retórica e a poesia, tanto ou mais consideradas que as ciências, pois a música, a matemática e a poesia mantinham uma indissolúvel relação.

Música e poesia

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A sua inclinação para a música e para a poesia, que na época eram indissociáveis, começou cedo. Todos os autores coincidem nos seus dotes para o canto, a execução, a composição e a teoria musical. Neste campo escreveu um extenso tratado intitulado Fi-l-'alham (Sobre as melodias musicais), atualmente perdido. Além disso, compôs um comentário do tratado sobre a música de Al-Farabi, que, na opinião do historiador argelino Al-Maqqarí (1591-1634) tornavam inútéis todos os livros escritos sobre o tema antes.

Quanto à sua atividade como poeta, conservam-se algumas composições e anedotas que refletem o seu engenho e dotes poéticos; porém, a sua possível produção é desconhecida. O islamólogo espanhol Emilio García Gómez (1905-1995) considera que foi Avempace que fundiu pela primeira vez a poesia árabe clássica com as formas romances da lírica de influência cristã.

Botânica

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Tratado de botânica árabe

Redigiu neste campo, e em colaboração com Alboácem Sufiane, o Andalusino, um Livro das experiências, com o que visava completar o Livro sobre os medicamentos simples do toledano Abenguefite (m. 1075), e embora o livro se perdesse, sabe-se dele pelas mais de duzentas alusões e citas que dele faz o malaguenho ibne Albaitar (1190–1248). Conservam-se apenas dois breves tratados, o Kalam 'ala ba'a kitab al-nabat (Discurso a respeito de alguns livros sobre as plantas) e Kalamu-hu fi-l-nilufar (Discurso sobre o nenúfar).

No primeiro destes tratados comprova-se que Avempace, com Averróis e Avenzoar, é o elo entre os dois grandes botânicos andalusinos: Albacri (m. em 1094) e Algafequi (m. em 1166). Por outro lado, parece que esta obra influiu direta ou indiretamente no De vegetalibus de São Alberto Magno (1206-1280). No segundo expõe-se, pondo como exemplo o nenúfar, que não tem raízes terrestres, se há uma clara divisão entre o reino animal e o vegetal e indaga sobre a reprodução vegetal, sobre a qual Aristóteles concluíra que não havia reprodução sexual, mas dependia da nutrição e do crescimento. Avempace expôs a possibilidade da sexualidade vegetal, embora não chegasse a nenhuma solução definitiva.

É preciso recordar que Avempace dedicou-se toda a sua vida à sua profissão de médico, pela qual foi muito reputado desde os seus começos em Saragoça até o fim dos seus dias em Fez, e que a sua medicina era baseada primariamente no conhecimento das propriedades curativas das plantas, o que fazia que tudo grande médico fosse pela sua vez um profundo conhecedor da botânica.

Física

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No terreno da física, as ideias de Avempace perduraram até a atualidade através dos testemunhos de Averróis e através de um manuscrito que contém um comentário à Física de Aristóteles e uma carta dirigida ao seu amigo ibne Hasdai. As fontes que emprega para estes comentários são o comentário à Física do estagirita de Alexandre de Afrodísias (século III) e as ideias neoplatônicas de João Filopono (século VI). A sua física é mais teórica que prática, e contrasta com a de Averróis pois está tingida de platonismo.

 
Tábuas alfonsinas. A astronomia de Afonso X o Sábio partiu dos conhecimentos árabes

Astronomia

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Avempace escreveu o tratado Nubad jasira 'ala al-handasa wa-l-hay'a (Fragmentos simples sobre geometria e astronomia) e por uma cita de Maimónides. Uma vez mais, afastou-se de Aristóteles ao conceber um sistema astronômico sem epiclos mas com esferas excêntricas, ao modo de Ptolemeu.

A astronomia era uma ciência fundamental para o mundo árabe, obrigada para todos os sábios, que complementava a física, a matemática e outros saberes. As tábuas desenhadas pelos astrônomos árabes foram a base dos livros de astronomia de Afonso X o Sábio (século XIII).

Não se tem de esquecer, porém, que os cientistas islâmicos consideravam a astronomia e a astrologia como uma mesma área científica, o que faz que as suas conclusões, muitas vezes orientadas para a adivinhação (pois era para eles só a leitura do grande livro celeste criado por Alá) e para outros fins, não têm o mesmo objeto que na atualidade.

Filosofia

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O seu pensamento poderia ser resumido assim: o ideal do homem é o conhecimento puro, a especulação e a contemplação pura.

Diz na Carta do Adeus a respeito da ciência e da filosofia:

Trata-se duma "contemplação "pura", ou seja, desprovida de ação, buscada por si mesma e não pelo prazer e felicidade que possa reportar quer nesta vida ou na outra. Nesta situação, "o homem deixa de ser humano para se tornar divino", porque com semelhante contemplação o homem se identifica e funde com Deus.

Se para Avempace é válida a definição aristotélica de homem como "animal racional", porém, não é a que aponta ao mais radical e fundamental do homem, pois, acima da razão, está o "intelecto", o "homem intelectual".

Em efeito distingue entre três níveis no homem:

  1. Os pertencentes a a grande "massa", que só sabem das coisas materiais, singulares, submetidas ao espaço e ao transcorrer do tempo.
  2. Num estrato superior estão os homens de ciência, os que usam a "razão", com a qual "abstraem" as noções e as leis universais partindo das coisas singulares materiais, para depois aplicá-las novamente a esses objetos individuais e dimensionados. Neste estrato, "embora o homem se introduza no nível especulativo, não se despoja totalmente do material", pois depende dele para abstrair e precisa dele para aplicar os princípios da ciência que pratica e constrói. Trata-se do "nível dos homens científicos".
  3. Por fim, o terceiro nível, o superior, é o dos que abandonam por completo o espaço, o tempo, o singular e o material, para contemplarem unicamente os seres espirituais, os inteligíveis puros, subministrados pelo "Intelecto Agente", intermediário entre Deus e o material. Por meio dele liga-se a Deus numa via mística, extática, levada a cabo por um Intelecto que não é racional, mas suprarracional. Assim, a união e fusão absoluta em Deus, com a felicidade suprema, ocorre "nesta vida", pondo assim em perigo um conceito corânico, a imortalidade na outra vida, e perdendo a individualidade pessoal no trânsito para o paraíso.

Contudo, para Avempace, este último nível é dificilmente atingível, devido a que as circunstâncias da vida em sociedade põem todo tipo de travas para a sua consecução. Portanto, Avempace, pela primeira vez na história, e numa ideia que será muito ascética, cercana a Kierkegaard ou a Nietzsche, propõe o apartamento da sociedade política na que vive para cumprir esse destino último. O homem deve empreender um caminho íntimo com um objetivo claro ao que dirigir todos os seus passos, o "regime do solitário", para atingir assim a excelsitude. O termo "regime" (tabdir no árabe) é aclarado no seu livro O regime do solitário com estas palavras:

Segue então aclarando que o regime apenas ocorre nos seres racionais e intelectuais, os únicos capazes de ter um fim para ordenar, dirigir, governar as suas ações de para o mesmo. Portanto,

Quando um grupo de homens alcancem a excelsitude poderão estabelecer "uma comunidade na qual reine a justiça e a saúde", não precisando nem médicos, pois todos conhecerão o jeito em que remédios devem ser alimentados e administrados. Esta república, baseada na de Platão, é o ideal político ao qual se chega na Política de Avempace, como nova sociedade civil muito diferente da qual se partia. Portanto, fica claro que o homem é um ser social por natureza, e apenas excepcional e acidentalmente se afasta do estado corrupto para poder buscar a sua própria perfeição, que depois aplicará à sociedade regida pela verdade, pela virtude e pelo amor entre os homens.

Edições de obras de Avempace

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  • Avempace, Libro sobre el alma, tradução e edição de Joaquín Lomba; Trotta: Madrid, 2007. ISBN 978-84-8164-947-5
  • ——, Carta del adiós y otros tratados filosóficos [Risalat al-wada'], ed. de Joaquín Lomba; Trotta: Madrid, 2006. ISBN 84-8164-791-8
  • ——, El régimen del solitario [Tabdir al-Mutawahhid], ed. de Joaquín Lomba; Trotta: Madrid, 1997. ISBN 84-8164-171-5

Homenagens

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Seu nome foi atribuido a uma cratera lunar.[1]

Bibliografia

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  • MARCINKOWSKI, M. Ismail (Christoph Marcinkowski), "A Biographical Note on Ibn Bajjah (Avempace) and an English Translation of his Annotations to al-Farabi's Isagoge." Iqbal Review (Laore, Paquistão), vol. 43, no. 2 (Abril de 2002), pp. 83–99.

Referências

Ligações externas

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