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Batalha de Três Lagoas

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Batalha de Três Lagoas
Revolta Paulista de 1924
Data 17 – 18 de agosto de 1924
Local Campo Japonês, Três Lagoas, Mato Grosso
Desfecho Vitória legalista
Beligerantes
Revoltosos tenentistas Legalistas
Comandantes
Juarez Távora Malan d'Angrogne
Diógenes Tourinho
Unidades
3.º Batalhão Coluna Amaral
12.º Regimento de Infantaria
Forças
570 homens
Baixas
  • 24 mortos
  • 23 feridos
  • 67 prisioneiros (vide Baixas)
  • 4 mortos
  • 28 feridos (vide Baixas)

A Batalha de Três Lagoas foi uma ofensiva de revoltosos tenentistas contra as forças do governo do Brasil em 17–18 de agosto de 1924, estendendo a Revolta Paulista para o sul de Mato Grosso. Liderados por Juarez Távora, os revoltosos sofreram baixas pesadas para legalistas advindos de Minas Gerais, ao comando do coronel Malan d'Angrogne, na localidade de Campo Japonês. Esta derrota frustrou a ambição dos revoltosos de se fixar em Mato Grosso, obrigando-os a empreender a Campanha do Paraná.

Desde o início, a Revolta Paulista envolveu a Circunscrição Militar de Mato Grosso, que precisou mobilizar grandes efetivos e ocupar a cidade de Bauru, no interior de São Paulo. A baixa oficialidade em Mato Grosso era um foco de conspiração tenentista, chegando a lançar uma revolta no 10.º Regimento de Cavalaria Independente, em Bela Vista, em 12 de julho; os próprios sargentos do regimento controlaram este levante. Devido às deficiências da estrutura militar no estado, Bauru não foi ocupada a tempo e os revoltosos passaram pela cidade livremente a caminho de Porto Tibiriçá, às margens do rio Paraná, que fazia a divisa com Mato Grosso.

Os revoltosos esperavam adesões nesse estado, onde fundariam a “Brasilândia” ou “Estado Livre do Sul”. De posse de uma geografia fácil de defender, teriam boas condições para prolongar sua guerra contra o governo federal. Mas o comando revolucionário ficou indeciso por alguns dias, dando tempo ao governo para reforçar Três Lagoas, por onde a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil conectava os dois estados. Além de unidades mato-grossenses, os legalistas receberam a coluna Malan, vinda de Minas Gerais. À frente de um batalhão reforçado, com uma tropa de choque de combatentes estrangeiros, Juarez Távora subiu o rio Paraná e desembarcou nas proximidades da cidade em 17 de agosto. A seca e o calor esgotavam a tropa.

O combate foi travado na manhã do dia seguinte contra elementos da coluna Malan. Os revoltosos conquistaram a primeira linha, ocupada pela Coluna Amaral (da Força Pública de Minas Gerais), um contingente inferior em números e armamento. Isto deu tempo suficiente para o 12.º Regimento de Infantaria, uma unidade do Exército Brasileiro, posicionar uma companhia no flanco dos atacantes. Quando estes lançaram-se em carga contra a primeira linha em retirada, foram alvejados pelo fogo de metralhadoras a curta distância. Isto provocou uma fuga generalizada, tornada ainda mais caótica por um incêndio no campo.

Desmoralizados, os sobreviventes retornaram ao restante do exército revolucionário em Porto Tibiriçá. O general João Nepomuceno da Costa, comandante da Circunscrição Militar, considerou encerrada a ameaça de invasão a Mato Grosso. A concentração legalista em Três Lagoas deixou o caminho ao Paraná pouco protegido. Neste estado os revoltosos vindos de São Paulo uniram-se aos do Rio Grande do Sul em 1925, formando a Coluna Miguel Costa-Prestes, que novamente invadiu Mato Grosso, dessa vez passando pelo Paraguai.

Influência tenentista na região

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Mapa da primeira revolta tenentista em Mato Grosso

O tenentismo tem uma longa história no sul de Mato Grosso (que ainda não havia separado do norte),[1] como parte de uma participação militar mais ampla nas lutas políticas locais.[2] A baixa oficialidade da Circunscrição Militar de Mato Grosso aderiu maciçamente à primeira revolta tenentista, iniciada em 1922 no Rio de Janeiro.[3] O levante foi chefiado pelo comandante da Circunscrição Militar, o general Clodoaldo da Fonseca, mas ele não foi o verdadeiro cabeça e apenas acompanhou a iniciativa e pressão da oficialidade jovem. A adesão à revolta não foi compartilhada por todas as guarnições e nem por todas as patentes; houve manifestações legalistas de sargentos. O governo estadual em Cuiabá não aceitou a revolta,[4] e não houve entusiasmo popular. Os revoltosos baixaram suas armas sem resistência quando forças legalistas de São Paulo chegaram à divisa.[3]

Vários dos envolvidos exilaram-se nos países vizinhos, escapando à prisão, e a região tornou-se um foco de conspiração militar.[3] A segunda revolta tenentista, deflagrada em 1924 em São Paulo, teve como um de seus principais articuladores o capitão Joaquim Távora. Em 1922, este oficial comandara o 17.º Batalhão de Caçadores (BC), de Corumbá,[5] a principal força dos revoltosos em Mato Grosso.[6] Ele foi preso, liberto e considerado desertor, dedicando-se à conspiração.[5] Os planejadores do novo levante contavam com adesões em Mato Grosso, tendo inclusive preparado ordens para as unidades de Coimbra, Corumbá, Campo Grande e Bela Vista.[7] Após a deflagração do movimento em 5 de julho, esta previsão se concretizou, mas só até certo ponto.[8]

Revolta do 10.º RCI

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Em Campo Grande houve rumores de um levante. A flotilha do Mato Grosso recebeu ordens do general João Nepomuceno da Costa, comandante da Circunscrição Militar, para bombardear o 17.º BC se ele aderisse à revolta. Mas só houve levante de fato em Bela Vista, no 10.º Regimento de Cavalaria Independente (RCI). Em 12 de julho, oficiais liderados pelos tenentes Pedro Martins da Rocha e Riograndino Kruel prenderam o comandante, o tenente-coronel Péricles de Albuquerque, e dois capitães de sua confiança. Seu objetivo era se unir aos paulistas.[9]

Os revoltosos ocuparam a estação telegráfica, mas o telegrafista Bonifácio Ferreira conseguiu avisar as autoridades e manter os sargentos do regimento a par das contramedidas legalistas.[9] O general Costa ordenou o bloqueio das saídas de Bela Vista para Ponta Porã, Miranda, Nioaque, Aquidauana e Porto Murtinho. A revolta seria sufocada pelo 11.º RCI, de Ponta Porã, contando com o apoio do governo estadual e a Companhia Mate Laranjeira e a mobilização de guardas aduaneiros, vaqueanos e outros.[10] Mas a revolta foi controlada dentro do próprio regimento pelos sargentos, que prenderam seus oficiais na revista do recolher, na noite de 12 de julho. Dois cabos foram feridos pelos revoltosos nesse momento. Esse raro caso de contrarrevolução pelas patentes inferiores foi recompensado pela promoção de 18 sargentos.[11]

O comando da Circunscrição tinha motivos para crer que Bela Vista seria o polo irradiador de revoltas em outras guarnições.[12] A adesão das guarnições mato-grossenses à revolta em São Paulo era plausível para o governo; segundo o general Costa, a oficialidade era “quase a mesma [a de 1922], ainda acrescida de novos elementos partidários exaltados contra o candidato vencedor do último pleito presidencial”. Constantes atrasos no pagamento dos salários deixavam a baixa oficialidade e os praças descontentes.[13] Faltavam oficiais, e os poucos existentes, nas palavras do oficial, dividiam-se em três grupos: os “francamente revoltosos”, os “declaradamente simpáticos” e os “sem ardor pela causa da sustentação do atual governo”.[14] Alguns oficiais saíram de Mato Grosso por conta própria para se juntar aos paulistas,[15] e a perspectiva de conseguir adesões foi um dos motivos para a incursão do exército revolucionário no estado.[16]

Situação operacional

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Mobilização da Circunscrição Militar de Mato Grosso

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Em resposta à Revolta Paulista, o Exército iniciou uma grande mobilização e concentração de efetivos em Campo Grande. As unidades mato-grossenses estavam desfalcadas de pessoal,[17] e desde antes do conflito o comandante da região já enviava telegramas ao Rio de Janeiro alertando de carências materiais de todo tipo.[18] Somente o 16.º, 17º, 18° BCs, um grupo do 11.º Regimento de Artilharia Montada (RAM) e o 10.º RCI estavam minimamente organizados. A convocação de reservistas, recém-implantada no Exército, teve resultados pífios. Os coronéis foram muito mais eficazes; dos aproximadamente 2.000 homens disponíveis, pelo menos metade eram irregulares (“elementos patrióticos”) convocados por agentes privados, formando unidades de reserva como o 66.º, 67.º e 68.º BCs e o 50º RCI. Reservistas serviam nessas unidades, mas os oficiais eram muitas vezes da antiga Guarda Nacional, e, devido à influência dos coronéis, o Exército depositava pouca confiança nelas.[19][17]

Os planos do Exército para debelar a Revolta Paulista incluíram desde o início a Circunscrição Militar do Mato Grosso: ela contribuiria uma das três brigadas que viriam dos estados vizinhos para ocupar a retaguarda dos revoltosos, isolando-os na cidade de São Paulo.[20] O primeiro objetivo era ocupar emergencialmente a cidade de Três Lagoas, na divisa com São Paulo. Ali passava a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, e por este motivo ela foi o foco das operações em 1922 e em 1924.[21][22] A primeira unidade neste local foi a 1.ª Companhia do 17.º BC.[23] No decurso do conflito, a cidade tornou-se centro logístico com grandes estoques de material bélico e gêneros alimentícios.[24]

A corrida para Bauru

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Situação militar do interior paulista em julho (acima) e agosto (abaixo)

Em seguida, era preciso ocupar rapidamente Bauru, em São Paulo.[25] Esta cidade, na convergência de três estradas de ferro, era passagem quase obrigatória da capital paulista para Mato Grosso.[26] Entretanto, os legalistas mato-grossenses foram lentos demais para impedir a ocupação da cidade pelos revoltosos em 18 de julho.[27] O trajeto de Campo Grande a Três Lagoas pela via férrea durava algumas horas, mas 20 dias se passaram das ordens de concentração até a chegada ao destino. O transporte era precário — a Circunscrição, na ausência de caminhões próprios, dependia dos particulares. O início das operações foi marcado pela desorganização, a improvisação e a desconfiança do governo com suas tropas. Uma carta anônima publicada mais tarde no jornal A Capital acusou o general Nepomuceno de inépcia.[28]

Só em 29 de julho a primeira força cruzou o rio Paraná, na divisa, e mesmo assim foi atrasada por falta de víveres e munição.[28] A essa hora o exército revolucionário já havia abandonado a cidade de São Paulo e chegado a Bauru, rumando na direção do rio Paraná.[29] Em vez de tomar a Noroeste diretamente para Três Lagoas, eles decidiram chegar à divisa pela Estrada de Ferro Sorocabana, passando por Botucatu.[30] Em 1.º de agosto a Circunscrição foi organizada como um Destacamento de Exército, com duas brigadas mistas e uma brigada de cavalaria.[31] A vanguarda para a ocupação de Bauru seria a 1.ª Brigada Mista, do tenente-coronel Ciro Daltro, mas ele pode ter deliberadamente atrasado o movimento por simpatizar com o oponente. A 5 de agosto a cidade estava ocupada pelo 18.º BC e 50.º RCI, mas os rebeldes já haviam abandonado o local. Os mato-grossenses encontraram-se ali com o coronel Malan d'Angrogne,[32] que trazia sua própria coluna legalista vinda de Minas Gerais.[33] O “destacamento Malan” era composto das forças anteriormente comandadas pelo general Martins Pereira, acrescidas do 12.º Regimento de Infantaria (12.º RI), de Belo Horizonte.[34]

Operações no rio Paraná

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Mapa do extremo oeste paulista e margens do rio Paraná

As tropas presentes em Bauru foram retiradas para defender Três Lagoas, mas este movimento foi demorado.[32] Mais a sul na divisa, espiões do 11.º RCI vigiavam a passagem fluvial na direção do Paraná. 60–120 homens do 66.º BC, comandados pelo coronel Germano Fetchner, ficaram no Porto XV de Novembro, localidade vizinha a Porto Tibiriçá, em Presidente Epitácio, do lado paulista da divisa. Esta outra cidade foi ocupada em 6 de agosto pela vanguarda do exército revolucionário, aprisionando um pequeno contingente legalista e os vapores Guairá, Paraná, Rio Pardo, Brilhante e Conde de Frontin.[35] Com apenas recrutas despreparados, em posição desvantajosa no terreno, o comandante abandonou o Porto XV de Novembro e fixou novas posições em Porto Uerê, deixando a navegação livre no rio Paraná.[35] Uma ofensiva revoltosa posterior contra o Porto Uerê, subindo o rio Pardo, foi derrotada numa emboscada.[a]

Em Porto Tibiriçá, o comando revolucionário divergia sobre o próximo passo, que poderia ser Mato Grosso ou o Paraná. O general Isidoro Dias Lopes, líder da revolta, preferiu Mato Grosso, pois traria mais resultados imediatos. Suas informações eram que Três Lagoas estava fracamente defendida.[36][31] Asdrúbal Gwyer de Azevedo, comandante da vanguarda, queria um ataque imediato a Três Lagoas, mas a liderança demorou demais para decidir. O governo teve tempo para reforçar o local; as tropas em Bauru já haviam regressado a Três Lagoas em 10 de agosto,[37][23] e no dia 13 as primeiras forças do destacamento Malan entraram em Mato Grosso.[34]

A ofensiva em Mato Grosso

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O projeto da “Brasilândia”

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Mato Grosso oferecia aos revoltosos uma geografia fácil de defender.[36] Conforme descreveu João Cabanas, a artilharia impediria a passagem pelo rio Paraná, o forte de Coimbra não permitiria a qualquer navio subir o rio Paraguai e colunas volantes bastariam nas estradas boiadeiras a Minas Gerais. Uma invasão legalista pelo norte seria dizimada pela própria natureza.[38][39] O governo poderia ser combatido de igual para igual, em guerra convencional.[40]

De posse de um dos grandes estados da federação, os revolucionários proclamariam o estado da Brasilândia, ou Estado Livre do Sul. As tarifas de exportação da erva-mate bastariam para financiar o Estado Livre, e a população seria beneficiada pela eliminação das taxas sobre a importação. Dentro de seis meses, eleições seriam realizadas no novo território, e esperava-se dos países vizinhos o reconhecimento do estado de beligerância. Com a posição consolidadada em Mato Grosso, os revolucionários poderiam reconquistar São Paulo e marchar até o Rio de Janeiro,[38][39] obrigar o governo de Artur Bernardes a negociar,[36] ou, na pior das hipóteses, exilar-se no Paraguai ou Bolívia.[41]

Um ataque a Três Lagoas foi rechaçado pelos legalistas em 12 de agosto.[34] Ao todo, os revoltosos lançaram três expedições a Mato Grosso, respectivamente comandadas por Luiz Barbedo, Luiz França de Albuquerque e Juarez Távora. A primeira, de Luiz Barbedo, não retornou para contar a história, que os demais revoltosos só conheceram posteriormente quando fizeram prisioneiros legalistas. A segunda, de Luiz de França Albuquerque, encontrou reforços legalistas, mas conseguiu fazer alguns prisioneiros, apresar uma peça de artilharia e ocupar alguns portos fluviais, abrindo caminho para a terceira expedição, de Juarez Távora. Esta última foi a mais forte das expedições, mas enfrentaria uma defesa legalista muito mais numerosa, pois os assaltos anteriores chamaram a Três Lagoas as forças legalistas que estavam distantes.[42]

Ao dia 16 a Coluna Amaral da Força Pública de Minas Gerais já seguia de Três Lagoas ao Campo Japonês,[43][b] oito quilômetros ao sul da cidade, por onde se encontravam as estradas para os portos Independência e Moeda. O destacamento Malan era composto neste momento pelo contingente mineiro, 12.º RI, 16.º e 18.º BCs, um pelotão do 1.º Regimento de Cavalaria Divisionário (RCD), uma bateria do 2.º Regimento de Artilharia Montada (RAM) e uma seção do 1.º Batalhão de Engenharia.[34]

O capitão Távora comandava o 3.º Batalhão do exército revolucionário,[c] reforçado pelas companhias Gwyer e Azhaury, do batalhão França de Albuquerque, e uma seção de artilharia do capitão Filinto Müller. A tropa de choque era composta de voluntários estrangeiros, especialmente os alemães do capitão Arnoldo Kuhn, comandante interino do batalhão. Todos esses elementos somavam 570 homens, na conta do comandante.[44][45][46] Os estrangeiros eram até metade do efetivo.[47]

Embarcada em dois vapores,[45] a força de invasão deixou Porto Tibiriçá a 15 de agosto,[48] ancorando a jusante da foz do ribeiro da Moeda,[48] a 27 quilômetros de Três Lagoas. Eles desembarcaram na manhã do dia 17. O plano era uma marcha forçada, dando uma volta para a esquerda, para atacar os legalistas pelo sudoeste.[45][49] A companhia Azhaury permaneceria no ribeiro da Moeda para defender o comando, a artilharia e a frota. O 3.º Batalhão e a companhia Gwyer marchariam até Fazenda da Moeda, no ribeiro de mesmo nome, onde se dividiriam: a companhia prosseguiria pela estrada de Campo Japonês até a margem direita do ribeiro do Palmito,[50] a três quilômetros de Campo Japonês.[34] Ali ele asseguraria o flanco do batalhão, que acompanharia a margem do Paraná, transporia o ribeiro do Palmito e, ao clarear de 18, atacaria a retaguarda dos legalistas em Porto Independência.[50]

Com pressa, os revoltosos não levaram suas cozinhas. O calor e a sede exauriam os soldados; conforme o capitão Ítalo Landucci, “a estiagem estava no auge: além das margens dos rios a terra esturricava-se e a maioria dos rios secara”.[49] Juarez Távora culpou o guia local pela manobra não ocorrer como planejado, fazendo o batalhão retornar à estrada de Campo Japonês.[d] Ao entardecer, o batalhão teve o primeiro choque com um piquete de cavalaria legalista.[51] A tropa dormiu a cavaleiro da estrada, em formação de combate.[52] Os exércitos oponentes passaram a noite a pouca distância um do outro.[34] A alguns quilômetros dali, um pequeno número de revoltosos chegou a atacar o Porto Independência no dia 18, mas eles foram repelidos pelos legalistas do 67.º BC.[34]

Batalha em Campo Japonês

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O batalhão atacou por volta das 08h30 de 18 de agosto,[34] chocando-se com elementos do destacamento Malan em Campo Japonês. A primeira linha estava ocupada pela Coluna Amaral. Comandada pelo major Octavio Campos do Amaral, tratava-se de uma força de apenas 145 homens,[43] sem ferramentas de sapa e armas automáticas.[53] O 12.º RI estava na retaguarda, comandado pelo coronel Diógenes Monteiro Tourinho,[24] que assumiu o comando das operações. Um pelotão de artilheiros a cavalo também estava nas linhas legalistas.[34] Os revoltosos avançaram, na narrativa de um jornal da capital, com uma “carga de baionetas, em carga impetuosíssima e com um clamor bárbaro de língua estranha”.[54]

A Coluna Amaral combateu em grande desvantagem, e após quase uma hora, já estava quase envolvida e começou a recuar para as trincheiras de uma companhia do 12.º RI. Este tempo foi suficiente para o 12.º RI se reposicionar,[55] o que não foi percebido pelos revoltosos, pois era difícil distinguir o inimigo no capinzal. O 3.º Batalhão, nas últimas posições antes de Três Lagoas, não percebia que outra companhia 12.º RI estava no seu flanco.[e] As baixas já eram pesadas, mas os soldados escutavam o resfolegar das locomotivas da Noroeste, convencendo-os que o inimigo recuava.[56] Conforme um historiador da Força Pública de Minas Gerais, o recuo da Coluna Amaral “levou os rebeldes ao fatal engano de supor que tal recuo era uma fuga, investindo então de forma desesperada e em massa”.[57][f]

Nesse momento a outra companhia do 12.º RI abriu fogo de metralhadoras pesadas a curta distância, com “tiros rasantes e cruzados”. A pé e desprotegidos numa carga de infantaria, os atacantes entraram em pânico e começaram a fugir em debandada.[58][57] Na recapitulação do coronel Tourinho:[59]

Uma das companhias foi colocada em 2.ª linha, em apoio da polícia mineira, que já ocupava a 1.ª e a Cia. Lamego mandada marchar pela estrada do Porto Independência [...] A ação desenvolveu-se com violência na sua primeira fase, presumindo-se que os atacantes atingissem o efetivo de 300 homens, sendo seu esforço principal desde o início, bem acentuado em nosso flanco direito, o que motivou um retraimento nesse flanco das nossas primeiras linhas nessa crítica primeira fase. Após uma reorganização das tropas nesse flanco, com reforço dos artilheiros montados e outros elementos que organizei na ocasião, a pressão inimiga diminuiu sensivelmente aí, e em seguida começou a nossa ação no flanco esquerdo, pela Cia. Lamego, que havia atingido a posição ordenada, batendo o inimigo de flanco e de retaguarda, trazendo em consequência o seu imediato desbarato e ocasionando a sua retirada em pânico.

Para aumentar o terror, um incêndio alastrou-se pela macega seca, atribuído a um ou a outro lado dependendo da fonte.[58][57] Juarez Távora relata não ter estado no início da batalha. Quando foi avisado ao meio-dia, só lhe restava recolher os retardatários. Às 22h00, o último navio de transporte partiu com os sobreviventes para Porto Tibiriçá.[60] O comandante desembarcou-os na outra margem do Paraná para não contaminar o restante do exército revolucionário com a desmoralização.[61]

O tenentista Nelson Tabajara de Oliveira definiu o ocorrido como “o mais sangrento combate da revolução paulista”.[62] A derrota era desastrosa.[54] O incêndio carbonizou muitos cadáveres, impossibilitando sua identificação.[63] Juarez Távora contabilizou a perda, entre mortos, feridos e prisioneiros, de cerca de 100 homens e quatro metralhadoras pesadas.[60] O comandante governista encontrou 24 mortos em 20 de agosto e outros no dia seguinte, com a captura de 90 rebeldes.[64] A Gazeta de Notícias publicou 24 mortos, 23 feridos e 67 prisioneiros, números confirmados no relatório do general Costa.[54] Os estrangeiros eram a maioria dos prisioneiros.[65] Ítalo Landucci apontou 400 baixas,[66] valor provavelmente superestimado.[54] Segundo a Força Pública, ficaram para trás 50 mortos, 51 prisioneiros e muito armamento. De 600 atacantes desembarcados, só 80 a 100 teriam conseguido reembarcar.[57]

O general Oscar de Barros Falcão registrou a perda de 4 mortos e 28 feridos no exército legalista.[64] A Força Pública de Minas Gerais registrou três mortos, sete prisioneiros e dez desaparecidos.[63]

Consequências

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A derrota em Mato Grosso deixou o estado do Paraná como a única opção para os rebeldes.[67] Graças à concentração legalista em Três Lagoas, o caminho para o sul estava aberto. No oeste paranaense, ainda havia a esperança de se unir aos conspiradores que planejavam outra revolta no Rio Grande do Sul.[68] A consequente Campanha do Paraná começou em 31 de agosto.[69] Porções do território mato-grossense ainda foram conflagradas na descida para o Paraná. A Circunscrição Militar, aproveitando a morosidade do deslocamento, temporariamente cortou o contato entre a vanguarda e retaguarda dos rebeldes, e em 25 de setembro, forçou a rendição de um de seus batalhões na região de Porto Jacaré.[70][71][72]

O general Costa passou o comando da Circunscrição Militar ao coronel Malan em outubro de 1924, considerando finalizado o objetivo de afastar a revolta de Mato Grosso.[73] Legalistas mato-grossenses reocuparam Guaíra em abril de 1925, na fase final da Campanha do Paraná, aparentemente encurralando os rebeldes, que agora formavam a Coluna Miguel Costa-Prestes.[74] Para sua surpresa, eles cruzaram o território paraguaio e entraram em Mato Grosso, travando diversos combates antes de prosseguir até Goiás, dando continuidade à sua guerrilha. Os combates em Mato Grosso chamaram a atenção do governo federal, que investiu mais recursos na defesa da região.[75]

Em Três Lagoas, a batalha ainda é lembrada no Cemitério do Soldado, onde está o túmulo do legalista José Carvalho de Lima, que teria morrido durante a batalha. Este soldado tornou-se objeto de devoção religiosa, e outros mortos, principalmente crianças, foram enterrados ao redor de seu túmulo.[76][77][g]

Notas

  1. "Nesse ínterim, outras unidades rebeldes cruzaram o rio em barcos apresados e tentaram alcançar o lado de Mato Grosso. Uma patrulha de 15 homens foi virtualmente aniquilada por voluntários legalistas sob o comando de um fazendeiro local e uma força rebelde de 120 homens debandou em pânico quando seu comandante foi baleado numa emboscada" (Macaulay 1977, p. 28). Amaral 2007, p. 27-28, cita este trecho, situa-o no Porto Uerê e nomeia o Major Cecílio como o "fazendeiro local".
  2. Ou Posto Japonês (Andrade 1976, p. 86).
  3. Desde 29 de julho, ele estava organizado em três brigadas e sete batalhões (Savian 2023, p. 113-114). Vide Interior de São Paulo na Revolta Paulista de 1924#Reorganização em Bauru.
  4. Heller 2006, p. 72. “A execução desse plano foi completamente alterada, devido à má fé ou comodismo do vaqueano que guiou o 3.º Batalhão na sua marcha de Fazenda Moeda para Porto Independência. Ao invés de guiar o batalhão pela orla marginal da mata do Paraná, e atravessar o Ribeiro do Palmito, a meia distância entre Campo Japonês e Porto Independência (pouco acima da confluência do pequeno tributário de sua margem direita) — após atravessar esse pequeno tributário, margeou o ribeirão referido, sem atravessá-lo, até reencontrar a estrada “boiadeira”, no ponto ocupado pela Companhia Gwyer”. (Uma Vida e Muitas Lutas, citado em Andrade 1976, p. 95-96).
  5. “conseguindo colocar-se contra o flanco esquerdo dos atacantes” (Andrade 1976, p. 89); “Uma companhia legalista foi ultrapassada pelo flanco direito e isto só ficou claro quando os rebeldes começaram a receber fogo pela retaguarda daquele lado” (Heller 2006, p. 71).
  6. Meirelles 2002, p. 214 prefere enfatizar a captura de uma cozinha de campanha pelos soldados famintos do 3.º Batalhão. Heller 2006, p. 71 também cita esse caso, mas não omite a companhia ultrapassada pelo flanco.
  7. Não se trata de um dos mortos ou desaparecidos da Força Pública de Minas Gerais, cujos nomes são dados em Andrade 1976, p. 90.
  1. Silva 1997, p. 33.
  2. Figueira 2011, p. 39-40.
  3. a b c Ferreira 2014, p. 244-246.
  4. Souza 2018, p. 246-249.
  5. a b Castro 2022, p. 76.
  6. Souza 2018, p. 258.
  7. Castro 2022, p. 47.
  8. Souza 2018, p. 290.
  9. a b Souza 2018, p. 293-295.
  10. Souza 2018, p. 307-308.
  11. Souza 2018, p. 295-298.
  12. Souza 2018, p. 302.
  13. Ferreira 2014, p. 249-251.
  14. Amaral 2007, p. 40.
  15. Santos 2013, p. 42.
  16. Meirelles 2002, p. 211-212.
  17. a b Ferreira 2014, p. 249-253.
  18. Amaral 2007, p. 33-35.
  19. Figueira 2011, p. 41.
  20. Santos 2013, p. 33-34.
  21. Ferreira 2014, p. 251.
  22. Souza 2018, p. 239.
  23. a b Souza 2018, p. 292.
  24. a b Andrade 1976, p. 87.
  25. Souza 2018, p. 292, 313.
  26. Carneiro 1965, p. 277.
  27. Santos 2013, p. 42-43, 72.
  28. a b Ferreira 2014, p. 254.
  29. Santos 2013, p. 76.
  30. Carneiro 1965, p. 286.
  31. a b Souza 2018, p. 311.
  32. a b Souza 2018, p. 292, 319.
  33. Santos 2013, p. 77.
  34. a b c d e f g h i Gazeta de Notícias, 18 de setembro de 1924.
  35. a b Souza 2018, p. 320, 324-327.
  36. a b c Meirelles 2002, p. 212.
  37. Andrade 1976, p. 93.
  38. a b Souza 2018, p. 315-316.
  39. a b Freire 2014, p. 9.
  40. Santos 2013, p. 80.
  41. Savian 2023, p. 113.
  42. Oliveira 1956, p. 104-105.
  43. a b Andrade 1976, p. 86.
  44. Andrade 1976, p. 90, 93-95.
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