Massacre de Wiriyamu
Massacre de Wiryamu | |
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Guerra Colonial Portuguesa, Guerra da Independência de Moçambique | |
Data | 16 de dezembro de 1972 |
Local | Wiriyamu, Moçambique |
Desfecho | Pelo menos 385 mortos |
O Massacre de Wiriyamu ou Operação Marosca foi um massacre da população civil em Wiriyamu, na província de Tete em Moçambique, por soldados portugueses durante a Guerra da Independência de Moçambique.
O massacre
[editar | editar código-fonte]O episódio aconteceu em 16 de dezembro de 1972, depois de dois capitães, comandantes de companhia, morrerem dentro de um jipe que pisou uma mina anti-carro. Pelo menos 385 pessoas foram assassinadas pela 6.ª Companhia de Comandos de Moçambique sem contar os que morreram durante a "limpeza" do local, que ocorreu nos três dias seguintes ou devido aos interrogatórios que seguiram o episódio. O massacre ocorreu no contexto da Guerra de Independência de Moçambique, quando as forças portuguesas pretendiam acabar com a presença da FRELIMO perto da cidade de Tete e da Barragem de Cahora Bassa, que estava em construção — elementos da FRELIMO declararam que iriam impedir a construção.
As tropas portuguesas dizimaram um terço dos 1350 habitantes de cinco povoações (Wiriyamu, Djemusse, Riachu, Juawu e Chaworha) integradas numa área chamada de "triângulo de Wiriyamu", afetando um total 216 famílias em quarenta povoações.[1] A chamada Operação Marosca foi instigada pela PIDE, e guiada pelo agente Chico Kachavi, que foi assassinado mais tarde, enquanto o massacre era investigado. Os soldados foram instruídos por Kachavi de que "a ordem é para matar todos", sem se importar se havia civis, mulheres ou crianças.[2]
Desfecho
[editar | editar código-fonte]O massacre foi denunciado pelo jornal britânico The Times, na sua edição de 10 de julho de 1973[3] por um padre católico britânico, Adrian Hastings, e dois outros padres missionários espanhóis.[4] O governo português negou os acontecimentos, apesar de discutido em Conselho de Ministros, a 18 de agosto de 1973 — Um relatório de Jorge Jardim, que comprovava a sua veracidade, incluía fotografias da aldeia destruída e aconselhava a que o massacre fosse reconhecido e explicado.
Foram criadas versões diferentes dos acontecimentos, como aquela relatada por Laurean Rugambwa, Arcebispo de Dar es Salaam, que afirma que as alegadas mortes foram da responsabilidade de soldados da FRELIMO, e não das forças portuguesas.[5] Ainda noutra versão dos acontecimentos, os alegados massacres não passaram de uma forma de propaganda cujo objectivo era destruir a reputação do estado português no estrangeiro.[6]
Vítimas
[editar | editar código-fonte]Lista dos mortos na área de Wiriamu, a 16 de dezembro de 1972[1]
Aldeia de Wiriyamu
- Vira - Uma mulher
- Dinho - Um rapaz (criança)
- Hortencia - Uma mulher
- Chuva - Uma homem e uma mulher
- Vaina - Uma mulher e uma rapariga (criança)
- Tembo Macaju - Um homem, uma mulher, um rapaz (criança)
- Khaniiawen Tenente Valeta - Um homem, uma mulher, duas raparigas (crianças)
- Macaju Xukussi - Um homem e uma mulher
- Chenguitani Campute - Um homem e um rapaz (criança)
- Sianani Matope - Um homem e um rapaz (criança)
- Fugueti Campute - Um homem
- Inacio Luis - Uma mulher, dois rapazes e uma rapariga (crianças)
- Avelinu Valeta - Duas mulheres, um rapaz e uma rapariga (crianças)
- Chuva Culheri - Duas mulheres, um rapaz e duas raparigas (crianças)
- Tenente Valeta - Duas mulheres, um rapaz e três raparigas (crianças)
- Wiriyamu Sanganembo - Um rapaz (criança)
Aldeia de Juawu:
- Biritsta - Uma mulher
- Luwo - Um rapaz (criança)
- Siria - Uma mulher
- Saizi - Um homem, duas mulheres, um rapaz e duas raparigas (crianças)
- Gwaninifuwa - Um homem
- Kachigamba - Um rapaz (criança)
- Ghandali Kuxupika - Um homem, duas mulheres, um rapaz e uma rapariga (crianças)
- Luwina - Uma mulher
- Aluviyana - Uma mulher
- Kuitanti - Um homem
- Caetano - Um rapaz (criança)
- Kuchepa - Um rapaz (criança)
- Biyuezeyani - Um rapaz (criança)
- Ddinja - Um homem
- Alufinati - Um homem
- Mbiriyanende - Um homem
- Chintheya - Uma rapariga (criança)
- Zeca - Um rapaz (criança)
- Mualeka Saize Chamgambica - Um homem, uma mulher, três rapazes e duas raparigas (crianças)
- Chapuca Capena - Um homem, um rapaz e duas raparigas (crianças)
- Jantar Capena - Um homem, três mulheres, quatro rapazes (crianças)
- Daquinani Capena - Um homem, uma mulher, dois rapazes (crianças)
- Oitenta Jantar - Um homem, uma mulher, dois rapazes e uma rapariga (crianças)
Aldeia de Chaworha
- Chefe Chaworha - Um homem e uma mulher
- Xavieri Chaworha - Um homem
- Mixone - Um homem, uma mulher, um rapaz e uma rapariga (crianças)
- Irisoni - Um homem, duas mulheres, três rapazes e duas raparigas (crianças)
- Ramadi Irisoni - Um homem, uma mulher e um rapaz (criança)
- Akimu - Um homem, uma mulher
- Birifi - Um homem, uma mulher, dois rapazes (crianças)
- Batista - Um homem, uma mulher, dois rapazes (crianças)
- Mdeka - Um homem, uma mulher
- Mchenga - Um homem, uma mulher
- Kunesa - Um homem, uma mulher
- Marko - Um homem
- Consenbera - Um homem
- Pita - Um homem
- Manteiga Alberto - Um homem
- Simawu Manteiga Alberto - Um homem, duas raparigas (crianças)
- Thauru Chabvurura - Um homem, duas mulheres, um rapaz e três raparigas (crianças)
- Jo Chamambica - Um homem, uma mulher
- Hagimo Chaworha - Um homem, duas mulheres, cinco rapazes e três raparigas (crianças)
- Briefe Chaworha - Um homem, duas mulheres, dois rapazes (crianças)
- Consembera Manzane - Um homem, dois rapazes (crianças)
- Batista Marizane - Um homem, duas mulheres, dois rapazes e duas raparigas (crianças)
- N’chenga Marizane - Um homem, uma mulher, três rapazes e uma rapariga (crianças)
- Djeepe Mauricio - Um homem
- Luis Mixone - Um homem, uma mulher, um rapaz, um feto
- T’rabuco Puebve - Um homem, uma mulher, um rapaz e três raparigas (crianças)
- Sabote Puebve - Um homem, uma mulher
- Ficha Puebve - Um homem
- Peratu Puebve - Um homem
- Nideka Supinho - Um homem, duas mulheres, seis rapazes, duas raparigas (crianças)
- Alberto Wirhisone - Um homem, uma mulher, um rapaz (criança), um feto
- Bernardo Xavier - Um homem
- Pinto - Um rapaz (criança)
- Mayeza - Um rapaz (criança)
- Mundani - Um rapaz (criança)
- Djipi - Um rapaz (criança)
- Mauricio Chamambica - Um rapaz (criança)
Mortes em locais não apurados dentro do triângulo de Wiriyamu:
- Olinda - Uma rapariga (criança)
- Lainya - Uma mulher
- Zabere - Uma rapariga (criança)
- Rosa - Uma rapariga (criança)
- Zaberia - Uma rapariga (criança)
- Alista - Uma rapariga (criança)
- Guideria - Uma mulher
- Khembo - Um homem
- Kamuzi - Um rapaz (criança)
- Sunturu - Um homem
- Dziwani - Um rapaz (criança)
- Magreta - Uma mulher
- Mario - Uma rapariga (criança)
- Fuguete - Um homem
- Rita - Uma rapariga (criança)
- Chakupendeka - Um homem, uma mulher
- Kulinga - Um homem, uma mulher, um rapaz e uma rapariga (crianças)
- Keresiya - Uma mulher e três rapazes (crianças)
- Massalambani - Um rapaz (criança)
- Chinai - Um rapaz (criança)
- Domingos - Um rapaz (criança)
- Mboy - Uma rapariga (criança)
- Chiposi - Um rapaz (criança)
- Augusto - Um rapaz (criança)
- Farau - Um rapaz (criança)
- António - Um rapaz (criança)
- Anguina - Uma mulher
- Jantar - Um homem
- Luisa - Uma rapariga (criança)
- Matias - Um rapaz (criança)
- Nkhonde - Um rapaz (criança)
- Xanu - Um rapaz (criança)
- Djoni - Um homem
- Chawene - Um rapaz (criança)
- Lodiya - Uma rapariga (criança)
- Mario - Um rapaz (criança)
- Fostina - Uma mulher
- Rosa - Uma rapariga (criança)
- Maria - Um rapaz (criança)
- Zostina - Uma mulher, um feto
- Domingos - Um rapaz (criança)
- Xanu - Um rapaz (criança)
- Kuwela - Um rapaz (criança)
- Chipiri - Um rapaz (criança)
- Chuma - Uma rapariga (criança)
- Makonda - Um rapaz (criança)
- Marko - Um rapaz (criança)
- Luisa - Um rapaz (criança)
- Mario - Um rapaz (criança)
- Raul - Um rapaz (criança)
- Duzeria - Uma mulher
- Cecilia - Uma mulher
- Faliosa - Uma mulher
- Domina - Uma mulher
- Chintheya - Uma rapariga (criança)
- Kupensar - Um homem
- Chaphuka - Um homem
- Djoni - Um homem
Na Arte
[editar | editar código-fonte]O músico José Afonso na letra da sua canção O País Vai de Carrinho, do disco Como se Fora Seu Filho de 1983, alude aos crimes de guerra cometidos pelo exército português na Guerra Colonial em Wiryamu, Mocumbura e Marracuene e ao nome de Jaime Neves como um dos oficiais responsáveis.[7][8]
Em 2016, foi editado o livro "O massacre Português de Wiriamu", pelo escritor e historiador Moçambicano Mustafah Dhada. A obra de investigação aprofunda os motivos por detrás do massacre, os eventos que se desenrolaram e o envolvimento de membros da igreja católica na sua denúncia e divulgação.[9] Em 2017, o investigador recebeu o prémio Martin A. Klein pelo seu trabalho desenvolvido sobre o massacre.[10][11]
Actualidade
[editar | editar código-fonte]Em Setembro de 2022, o primeiro ministro português, António Costa, numa visita a Moçambique, no âmbito da V Cimeira Luso-Moçambicana, formalizou um pedido de desculpas oficial, em nome da República Portuguesa, pelo massacre ocorrido na pendência do Estado Novo.[12] Classificou como um “ato indesculpável que desonra” a história de Portugal. “Neste ano de 2022, quase decorridos 50 anos sobre esse terrível dia de 16 de dezembro de 1972, não posso deixar aqui de evocar e de me curvar perante a memória das vítimas do massacre de Wiriyamu, ato indesculpável que desonra a nossa história”, afirmou, em Maputo. E, perante tal formalidade e afirmação, nessa altura levantaram-se certas vozes contra, nomeadamente, da parte do moçambicano Gabriel Mithá Ribeiro que escreveu um artigo de opinião, no Observador, em que diz que foi um acto de ignorância histórica e politicamente irresponsável para com a Identidade portuguesa e o mesmo com a moçambicana[13].
Referências
- ↑ a b O Massacre Português de Wiriamu - Moçambique, 1972. Mustafah Dhada (Autor)
- ↑ Gomes, Carlos de Matos, Afonso, Aniceto. Os anos da Guerra Colonial - Wiriyamu, De Moçambique para o mundo. Lisboa, 2010
- ↑ Hastings, Adrian. «Portuguese massacre reported by priests» (PDF). Mozambique History
- ↑ «25 de Abril: Massacre de Wiriyamu - Jornal Times de Julho de 1973». Consultado em 16 de março de 2018. Arquivado do original em 6 de fevereiro de 2012
- ↑ Arslan Humbarachi & Nicole Muchnik, Portugal's African Wars, N.Y., 1974.
- ↑ Adrian Hastings, The Daily Telegraph (26 de junho de 2001)
- ↑ José Afonso (5 de maio de 2010). «O País Vai de Carrinho». Associação José Afonso. Consultado em 10 de abril de 2021
- ↑ José Afonso (1 de março de 2006). «Meninos Nazis». Alfarrabio.di.uminho.pt/zeca/index.html. Consultado em 10 de abril de 2021
- ↑ «MASSACRE PORTUGUÊS DE WIRIAMU». Tinta da China. Consultado em 22 de janeiro de 2022
- ↑ Sociais, CES-Centro de Estudos. «Mustafah Dhada distinguido com o Prémio Martin A. Klein». CES - Centro de Estudos Sociais. Consultado em 22 de janeiro de 2022
- ↑ «Martin A. Klein Prize Recipients | AHA». www.historians.org. Consultado em 22 de janeiro de 2022
- ↑ «"Ato indesculpável que desonra a nossa história": António Costa pede desculpa a Moçambique por massacre de Wiriyamu». Jornal Expresso. Consultado em 4 de setembro de 2022
- ↑ António Costa: ignorância, maldade, irresponsabilidade, Gabriel Mithá Ribeiro, Observador, 10 de setembro de 2022
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Dhada, Mustafah (2016). O Massacre Português de Wiriamu — Moçambique, 1972. Lisboa: Tinta da China. 392 páginas. ISBN 978-989-671-342-3
- Dhada, Mustafah (26 de abril de 2021). «The Wiriyamu Massacre». Oxford Research Encyclopedias. doi:10.1093/acrefore/9780190277734.013.1029. Cópia arquivada em 24 de dezembro de 2021
- setenta e quatro. O massacre português de Wiriamu: escrever para não esquecer. Disponível em: https://setentaequatro.pt/entrevista/o-massacre-portugues-de-wiriamu-escrever-para-nao-esquecer. Acesso em: 22 de Janeiro de 2022.