Segunda Escravidão

Segunda Escravidão é um conceito historiográfico referente à escravidão enquanto parte da economia mundial na virada do século XVIII para o XIX, compreendendo os três principais espaços escravistas do mundo da época: o Sul do Estados Unidos, o Império do Brasil e a colônia espanhola de Cuba.[1]

Família brasileira e seus escravizados domésticos (1860).

Conceito

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Pelo Prisma da Escravidão (2011), obra em que Dale Tomich apresenta o conceito de "Segunda Escravidão".

O conceito foi formulado pelo historiador e sociólogo estadunidense Dale Tomich para tratar da escravidão entre os séculos XVIII e XIX, no contexto da Revolução Industrial. Ele apresenta o regime escravista como parte integral e estruturante do capitalismo e do liberalismo no século XIX, trabalhando sob o prisma local (nacional) e global (internacional), assim como suas ligações entre espaços específicos de produção escravista, diferenciando esse período do que podemos chamar de "Primeira Escravidão", aquela ocorrida nas Américas entre os séculos XVI e XVIII.[2]

Segundo o historiador Ricardo Salles (2016)[2]:

O argumento de Tomich é que a escravidão moderna não foi sempre a mesma entre os séculos XVI e XIX. Na virada do século XVIII para o XIX, um conjunto de acontecimentos e tendências históricos, principalmente o advento da Revolução Industrial na Inglaterra e a hegemonia internacional da Grã-Bretanha, levaram a reconfigurações profundas no mercado mundial. Houve um crescente desequilíbrio nos preços internacionais entre produtos industrializados e agrícolas; o incremento do consumo de determinados produtos, como o café e o açúcar, demandados pelo aumento da população de trabalhadores e da classe média nas cidades da Inglaterra e da Europa; a procura por novas matérias-primas, como o algodão. Se esse conjunto de transformações afetou determinadas áreas coloniais escravistas, implicando seu declínio, atuou sobre outras áreas escravistas quase que em sentido inverso. Em regiões como Cuba, o Sul dos Estados Unidos e o Brasil, antes em segundo plano, a escravidão "expandiu-se numa escala maciça para atender à crescente demanda mundial de algodão, café e açúcar".

No Brasil, esse conceito foi trabalhado, principalmente, pelos historiadores Rafael Marquese, Ricardo Salles e Tâmis Parron, apresentando o conceito sob o prisma nacional do Império do Brasil, utilizando-se de paradigmas como o “Tempo Saquarema”,[3] de Ilmar Rohloff de Mattos, para enquadrar a Segunda Escravidão como uma política de Estado brasileira, em consonância com os quadros econômicos globais e seus pares escravistas, Estados Unidos e Cuba.[4]

Contexto

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A “Segunda Escravidão” surgiu a partir da Revolução Industrial, cuja protagonista foi a Inglaterra. A partir do predomínio econômico e militar britânico e o início da produção em massa de produtos industrializados, ocorreu uma intensificação do capitalismo nascente e uma maior especificação econômica global: algumas regiões geravam produção agrícola, que deveria abastecer os mercados das regiões industrializadas; essas, por sua vez, abasteciam os mercados das regiões agrícolas com produtos industrializados.[5]

Internacional Escravista

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Ilustração estrangeira a respeito da produção cafeicultora brasileira (década de 1880).

O termo “Internacional Escravista”[6] faz referência a uma série de políticas de Estado e trocas culturais que ligavam internacionalmente os principais espaços escravistas da época, o Sul dos Estados Unidos, o Brasil-Império e a ilha de Cuba, então uma colônia da Espanha. Esses três atores globais emergiram como os principais fornecedores de três commodities extremamente necessárias após a Revolução Industrial:

  1. Algodão: Produzido majoritariamente no Sul dos Estados Unidos, o algodão alimentava a indústria têxtil internacional, principalmente a britânica, a maior da época.
  2. Café: Carro-chefe da economia brasileira, o café, por seu valor energético, tinha uma alta demanda entre os operários europeus, que enfrentavam longas jornadas de trabalho nas fábricas.
  3. Açúcar: Principal produto de Cuba, o açúcar ganhou popularidade com o aumento das classes médias e de seu poder de compra.

Além das políticas e experiências compartilhadas, havia também um grau de coordenação e cooperação entre esses Estados no combate ao abolicionismo internacionalista.[6]

Referências

  1. «Front Page - Segunda Escravidão». 7 de setembro de 2020. Consultado em 4 de julho de 2024 
  2. a b Salles, Ricardo (dezembro de 2013). «A segunda escravidão». Tempo: 249–254. ISSN 1413-7704. doi:10.5533/TEM-1980-542X-2013173514. Consultado em 4 de julho de 2024 
  3. Mattos, Ilmar Rohloff de (1987). O Tempo Saquarema. Rio de Janeiro: HUCITEC Editora 
  4. Parron, Tâmis Peixoto (30 de abril de 2009). «A política da escravidão no império do Brasil, 1826-1865». Consultado em 4 de julho de 2024 
  5. Ramirez, Francisc (25 de março de 1988). Rethinking the Nineteenth Century: Contradictions and Movements (em inglês). [S.l.]: Bloomsbury Academic 
  6. a b Marquese, Rafael de Bivar; Parron, Tâmis Peixoto (2011). «Internacional escravista: a política da Segunda Escravidão». Topoi (Rio de Janeiro): 97–117. ISSN 1518-3319. doi:10.1590/2237-101X012023006. Consultado em 4 de julho de 2024 

Bibliografia

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  • MARQUESE, Rafael de B. Escravidão e Política. São Paulo: Planeta, 2015;
  • MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: HUCITEC Editora, 1987.
  • PARRON, Tâmis P. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. São Paulo: Civilização Brasileira, 2011.
  • SALLES, Ricardo. Escravidão e capitalismo histórico no século XIX: Cuba, Brasil e Estados Unidos. São Paulo: Civilização Brasileira, 2016.
  • TOMICH, Dale W. Pelo Prisma da Escravidão: Trabalho, Capital e Economia Mundial. São Paulo: Edusp, 2011.