Simplicidade (filosofia)

 Nota: Para o estilo ou filosofia de vida simples, veja Simplicidade voluntária. Para outros significados, veja Simplicidade (desambiguação).

O princípio da simplicidade[nota 1] é uma noção filosófica presente em diversas escolas de pensamento.[1] Não há um enunciado claro que o defina de forma satisfatória em todas as situações. Apesar da variação conceitual na literatura acadêmica, de forma geral, quando se fala em princípio da simplicidade, assume-se que quando duas teorias com o mesmo fim têm conclusões semelhantes, a mais simples é sempre preferível. Em alguns casos, esse princípio é adotado por pura comodidade; em outros, argumenta-se que tal proposição é um axioma da lógica e da ciência.[1][2]

História

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Não se sabe em que momento da história surgiu a figura da simplicidade como virtude teórica, mas é possível apontar diversos pensadores, dentre teólogos, cientistas e filósofos, da antiguidade clássica à idade contemporânea, que utilizaram o conceito em suas obras. Por exemplo, cerca de 350 a.C.,[3][4] Aristóteles de Estagira publicou, em sua obra Analíticos Posteriores:

Podemos assumir superioridade na demonstração que deriva do menor número de postulados ou hipóteses. [nota 2][5]

Já no período medieval, Tomás de Aquino escreveu:

Se uma coisa pode ser feita adequadamente através de um único processo, é supérfluo fazê-la por vários; a natureza não emprega dois instrumentos onde apenas um é suficiente.

Na obra Crítica da Razão Pura, Kant suporta a máxima de que “princípios não devem ser derivados além da necessidade” (entia praeter necessitatem non esse multiplicanda).[6] Essa noção assemelha-se à conceituação corrente da navalha de Occam, o princípio da simplicidade mais famoso.[7] Versões semelhantes foram adotadas por Galileu e Newton nos séculos 16 e 17.[1] Na idade contemporânea, um exemplo de peso é Einstein:

O grande objetivo da ciência é explicar o maior número possível de fatos empíricos e deduções lógicas a partir do menor número possível de hipóteses ou axiomas.[8]

Abordagens

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Científica

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Na ciência, especialmente nas áreas de estudo elementares (como a física e a química), mas também na biologia e outras, a simplicidade é valorizada como atributo de teorias eficientes. O estudo científico da simplicidade visa, sobretudo no contexto da aplicação desta como princípio metodológico, determinar se ela é, de fato, um princípio fundamental da natureza ou apenas uma questão de análise subjetiva. Nesse sentido, a segunda lei da termodinâmica é frequentemente apontada como indício de que a matéria tende a se organizar de forma simples.[nota 3][9][10][11]

Metacientífica

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Uma abordagem metacientífica do princípio da simplicidade é, basicamente, uma forma de justificativa metafísica para a aplicação do conceito nas matérias de cunho científico. Para o metafísico, a navalha de Occam é apenas uma expressão metodológica de uma simplicidade intrínseca à natureza das coisas.[2] A crença de que a natureza é governada por leis simples tem sido sustentada por grandes cientistas; por exemplo, no livro Where is science going?, Max Planck e Albert Einstein declararam que “a cada avanço importante, com a evolução da experimentação, o físico descobre novamente formas mais e mais simples das leis fundamentais”.[12]

Outras

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Como consequência da vastidão de correntes filosóficas e particularidades de cada escola de pensamento, o léxico filosófico abarca significados diversos para o conceito de simplicidade, alguns inclusive opostos. No campo da filosofia do direito, um exemplo de abordagem para a simplicidade é o emprego por Robert Alexy da simplicidade como fator e produto nas suas fórmulas constitucionais da teoria dos direitos fundamentais.[13] Outro exemplo é o estudo da simplicidade como princípio otimizador das leis.[14] [nota 4]

Aplicações

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Matemática

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Além da abordagem da simplicidade pela filosofia da matemática, há diversos campos de estudos com aplicações práticas que inserem a simplicidade como conceito técnico ou fenômeno observável e estudado.[15] Na topologia, por exemplo, a simplicidade aparece como subproduto da qualidade algébrica fundamental da conectividade. Já na lógica booleana, há a simplificação (ou elimina��ão da conjunção) como ferramenta prática.[16] Ainda que diferentes à primeira vista, tais aplicações são consequências dos conceitos provenientes do estudo filosófico da matemática.[17][18]

Biologia

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Na biologia, uma das aplicações frequentes do princípio filosófico da simplicidade é o princípio da máxima parcimônia, um método comum utilizado na filogenética computacional baseado na navalha de Occam.[19]

Ciência da complexidade

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A simplicidade é um conceito-chave no ramo da ciência da complexidade,[20][21] um campo de estudo emergente no meio científico que visa a apreciação dos sistemas complexos por meio de uma abordagem multidisciplinar.[22]

Notas

  1. Para abordagens específicas acerca da definição de simplicidade em cada escola filosófica, consultar o verbete “simplicidade” no Wikcionário.
  2. As traduções dos trechos citados neste artigo são diretas.
  3. A observação experimental do aumento temporário da complexidade nos sistemas fechados durante o processo de aumento de entropia não contradiz o argumento em questão, uma vez que a simplicidade é observada tanto no início do processo de conversão da energia quanto no seu fim.
  4. Para mais informações acerca do estudo da simplicidade como princípio otimizador das leis, consultar o livro Simpler, de Cass Sustein.


Referências

  1. a b c Baker, Alan (2016). Zalta, Edward N., ed. «Simplicity». Metaphysics Research Lab, Stanford University. Stanford Encyclopedia of Philosophy Archive (em inglês). Cópia arquivada em 27 de janeiro de 2020 
  2. a b Feuer, Lewis S. (1957). «The Principle of Simplicity». University of Vermont. Philosophy of Science (em inglês). v. 24 (nº 2): 109-122. Consultado em 26 de janeiro de 2020. Cópia arquivada em 27 de janeiro de 2020 
  3. «The Internet Classics Archive | Posterior Analytics by Aristotle». classics.mit.edu (em inglês). Consultado em 27 de janeiro de 2020. Cópia arquivada em 12 de fevereiro de 2020 
  4. «Epistemology - The history of epistemology». Encyclopedia Britannica (em inglês). Consultado em 27 de janeiro de 2020. Cópia arquivada em 10 de julho de 2019 
  5. Aristotle (1941). Posterior Analytics. The Basic Works of Aristotle (em inglês). R. McKeon (trans.). New York: Random House. p. 150 
  6. Kant, Immanuel. Critique of Pure Reason (PDF) (em inglês). Norman Kemp Smith (trans.). New York: Humanities Press. pp. 538–9 
  7. «A Navalha de Jocax - Ciência e Filosofia». social.stoa.usp.br. Consultado em 15 de fevereiro de 2020 
  8. Nash, Leonard Kollender (1963). The nature of the natural sciences. (em inglês). Boston,: Little, Brown. p. 173 
  9. Braeckman, Johan (1997). «Introduction» (PDF). Philosophica (em inglês). v. 59 (nº 1). Consultado em 20 de janeiro de 2020 
  10. Rizzi, Anthony. «Complexity versus Simplicity: Richard Dawkins, IAP Members, and Ourselves» (PDF). The Institute for Advanced Physics (IAP). Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  11. Atkins, Peter. (2016). Chemical principles. [S.l.]: W H Freeman. ISBN 1-319-01682-0. OCLC 914290311 
  12. Planck, Max. Where is science going? (em inglês). Albert Einstein (collaborator). James Murphy (trans.). [S.l.]: Literary Licensing. p. p. 11. 220 páginas. ISBN 9781258200893 
  13. Alexy, Robert (2008). Teoria dos Direitos Fundamentais (PDF). São Paulo: Malheiros Editores. p. 130. ISBN 978-85-7420-872-5. Consultado em 1 de março de 2020 
  14. Driesen, David M. (21 de agosto de 2014). «Complexity and Simplicity in Law: A Review Essay (Cass R. Sunstein, Simpler (2013))». Rochester, NY (em inglês) 
  15. «The Complexity of Simplicity - National Council of Teachers of Mathematics». www.nctm.org. Consultado em 15 de fevereiro de 2020 
  16. «Wolfram|Alpha Examples: Simplification». www.wolframalpha.com. Consultado em 15 de fevereiro de 2020 
  17. Inglis, Matthew; Aberdein, Andrew (1 de fevereiro de 2015). «Beauty Is Not Simplicity: An Analysis of Mathematicians' Proof Appraisals». Philosophia Mathematica (em inglês). 23 (1): 87–109. ISSN 0031-8019. doi:10.1093/philmat/nku014 
  18. Knobe, Joshua (2007). «Experimental Philosophy». Philosophy Compass (em inglês). 2 (1): 81–92. ISSN 1747-9991. doi:10.1111/j.1747-9991.2006.00050.x 
  19. Nei, Masatoshi; Kumar, Sudhir (2000). «Phylogenetic Inference:Distance Methods». Molecular Evolution and Phylogenetics (em inglês). Oxford: Oxford University Press. p. 115. ISBN 0-19-513585-7 
  20. Phelan, Steven E. (2001). «What Is Complexity Science, Really?». Emergence (em inglês). 3 (1): 120–136. ISSN 1521-3250. doi:10.1207/s15327000em0301_08. Consultado em 27 de janeiro de 2020 
  21. «Complexity - The science of complexity». Encyclopedia Britannica (em inglês). Consultado em 27 de janeiro de 2020 
  22. «Complexity Science in Brief» (PDF). British Columbia, Canada: University of Victoria. Essay (em inglês)