Lei Eusébio de Queirós

lei brasileira

Na legislação brasileira, a Lei Eusébio de Queirós[nota 1] ou lei n.º 581/1850, promulgada no Segundo Reinado, proibiu a entrada de africanos escravos no Brasil, criminalizando quem a infringisse, conforme o seu artigo 3.º[1] (ver Gabinete Monte Alegre).

Lei n.º 581/1850
Lei Eusébio de Queirós
Assembleia Geral do Império do Brasil
Citação Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850
Jurisdição Império do Brasil
Aprovado por Assembleia Geral do Império do Brasil
Aprovado em 4 de setembro de 1850
Transformado em lei por Pedro II
Resumo geral
Estabelece medidas para a repressão do tráfico de africanos neste Império.

Um dos principais motivos de sua promulgação foi a pressão da Inglaterra, materializada pela aplicação unilateral, por aquele país, do chamado Bill Aberdeen,[2] ato do Parlamento Britânico, promulgado em 9 de agosto de 1845, que autorizava os britânicos a prender qualquer navio suspeito de transportar escravos no oceano Atlântico.[3]

A continuidade da escravatura no Brasil foi ficando insustentável com o passar do tempo, colocando o país entre as nações vistas como "não civilizadas".[4] A pressão inglesa foi tanta, que dois meses antes da aprovação dessa lei, a esquadra britânica atacou a costa brasileira belicamente.[5]

O Partido Conservador, a partir de aproximadamente 1831, passou a defender no Poder Legislativo, o fim do tráfico negreiro. À frente dessa defesa esteve Eusébio de Queirós, Ministro da Justiça, que já havia exercido o cargo de chefe de polícia da Corte. Ele insistiu na razão do país tomar por si só a decisão de colocar fim ao tráfico, preservando a imagem de nação soberana.[6] Medidas mais árduas contra o comércio de pessoas pelo Atlântico foram escritas.[7]

A partir desta medida os gastos excedentes passaram a ser utilizadas em infra-estrutura. Assim foram construídas as primeiras linhas telegráficas e de navegação, as primeiras estradas de ferro. A iluminação a gás chegou às cidades, e o número de colégios passou a se expandir.[7]

O decreto n.º 731 de 1854 (conhecido como 'Lei Nabuco de Araújo') mais tarde intensificaria a repressão ao tráfico, ao atribuir à Marinha a função de processar e julgar aqueles que violassem a Lei Eusébio de Queiroz.[8]

Cerca de 20 anos depois, filhos de escravizadas nascidos a partir de 28 de fevereiro de 1871 estariam livres pela Lei do Ventre Livre.

Em 1885, já quase sem mais conseguir sustentar as pressões externas e internas pela abolição, o governo brasileiro aprovou a 'Lei dos Sexagenários'.

Dificuldades

editar

Muitos populares contestaram a decisão Governo Imperial, o que motivou ida de Eusébio de Queirós à Câmara dos Deputados, em 16 de julho de 1852. No seu depoimento, citou que inúmeros fazendeiros passavam por dificuldades financeiras graves, não possuindo meios de pagar as dívidas conseguidas com os traficantes de escravos. Disse ele:

(...) "os escravos morriam mas as dívidas ficavam e, com elas, os terrenos hipotecados".

Eusébio de Queirós pedia uma mudança da "opinião pública" quanto ao término do tráfico, agravando a possibilidade "da nossa propriedade territorial" passar das mãos dos fazendeiros para "os especuladores e traficantes".

Estudiosos acreditam que, ao citar "especuladores e traficantes", referia-se aos portugueses, e isso ficou claro para quem o ouvia. Trazia à tona, então, o velho "fantasma português" que assombrava a "soberania nacional" e a "civilização", afetando o ambiente da lavoura brasileira.[9]

Consequências

editar

O projeto foi o primeiro a gerar efeitos imediatos na estrutura do tráfico. A entrada de novos escravos baixou a zero em apenas três anos. Mais de 500 mil negros haviam sido trazidos ilegalmente da África para o país até então, com a conivência de todas as autoridades envolvidas.[10]

No entanto, com o fim do tráfico africano, o interno cresceu e concentrou-se nas áreas do Rio de Janeiro e de São Paulo, já que eram as áreas mais produtivas em termos de lavouras de café.

Não demorou muito para que a Inglaterra pressionasse o Brasil a deter o tráfico interno também. A medida definitivamente tomada, então, foi a utilização da mão de obra assalariada.

No mesmo período, o aumento demográfico na Europa, que então vivia a segunda fase da Revolução Industrial, e conflitos em torno dos processos das unificações da Itália e da Alemanha, levaram a um aumento da emigração, passando o Brasil a disputar uma parcela desse fluxo como alternativa para a substituição da mão de obra nas lavouras. Muitos imigrantes europeus chegariam ao país.

Inicialmente houve certos problemas. O principal foi o fato de os fazendeiros estarem acostumados ao sistema escravista, que resultava em problemas para os imigrantes. Na prática, esses negros continuavam submetidos a uma semiescravidão.

Possuir um escravo tornou-se muito caro, levando muitos cafeicultores do oeste paulista a substituir essa mão de obra pela dos imigrantes.[11]

Em vista disso, países como a Alemanha, determinaram a proibição da emigração para o Brasil. Para contornar essa dificuldade, o país adotou um sistema de imigração subvencionada, passando a financiar a vinda e as despesas iniciais dessas pessoas.

Durante a gestão de Eusébio, vários desembarques clandestinos de africanos ocorreram no litoral do Rio de Janeiro. Sem qualquer disfarce, o próprio Ministro admitia a entrada na capital do Império de mais de 90 navios vindos da costa africana, apenas no ano de 1837. Entre 1850 e 1856, ano da última apreensão de que se tem registro, ainda entraram no país cerca de 38 mil africanos.[12]

Desembarque de africanos

editar
 
Navio negreiro (Rugendas).
 
Mercado de escravos no Rio de Janeiro (Debret).
Desembarque estimado de africanos[13]
Quinquênios Local de desembarque
Total Sul da
Bahia
Bahia Norte da
Bahia
1801-1805 117 900 50 100 36 300 31 500
1806-1810 123 500 58 300 39 100 26 100
1811-1815 139 400 78 700 36 400 24 300
1816-1820 188 300 95 700 34 300 58 300
1821-1825 181 200 120 100 23 700 37 400
1826-1830 250 200 176 100 47 900 26 200
1831-1835 93 700 57 800 16 700 19 200
1836-1840 240 600 202 800 15 800 22 000
1841-1845 120 900 90 800 21 100 9 000
1846-1850 257 500 208 900 45 000 3 600
1851-1855 6 100 3 300 1 900 900

Controvérsias

editar

Com aproximadamente 500% de lucro, o tráfico de escravos foi tão conveniente quanto atroz na época. Por isso, não havia problemas com a média de 25% dos escravizados que morriam no trajeto por causa das más condições dos navios.

Partindo desse ponto de vista, a Lei Eusébio de Queiroz chegou a incentivar a continuação do tráfico, por ter resultado no aumento do preço da mercadoria humana, e, portanto, dos benefícios monetários dos traficantes brasileiros e portugueses que, durante alguns anos, ainda tiveram na ausência da proibição, a garantia da continuidade de seus "investimentos".[14]

Atualidades

editar

Em 4 de setembro de 2024 o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania divulgou no Instagram oficial da pasta postagens sobre avanços e impactos gerados com essa legislação: "com a lei, a oferta de pessoas escravizadas diminuiu, enfraquecendo a instituição escravista e impondo derrotas econômicas aos traficantes e proprietários. Uma vitória importante para o movimento abolicionista".[15]

Notas

  1. Pela grafia original, Lei Euzebio de Queiroz.

Referências

  1. «Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850. Estabelece medidas para a repressão do tráfico de africanos neste Império» 🔗. Consultado em 21 de setembro de 2016 
  2. «An Act to amend an Act, intituled An Act to carry into execution a Convention between His Majesty and the Emperor of Brazil, for the Regulation and final Abolition of the African Slave Trade» (em inglês). 8 de agosto de 1845 
  3. «'Leis para inglês ver' antecederam abolição da escravatura no Brasil». Educação em Pernambuco. 13 de outubro de 2016 
  4. «História Hoje: Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de escravos, completa 167 anos». Radioagência Nacional. 4 de setembro de 2017 
  5. «O fim da escravidão: leis abolicionistas». Recanto das Letras 
  6. Eliardo França Teles Filho (2005). Revista Jurídica, ed. «Eusébio de Queiroz e o Direito: um discurso sobre a Lei n. 581 de 4 de setembro de 1850» (PDF). Consultado em 9 de fevereiro de 2015. Arquivado do original (PDF) em 9 de fevereiro de 2015 
  7. a b «Lei Eusébio de Queirós, que proibia tráfico de escravos, completa 168 anos - Jornal Opção». Jornal Opção. 4 de setembro de 2018 
  8. Decreto nº 731, de 5 de junho de 1854. Declara desde quando deve ter lugar a competência dos auditores de Marinha para processar e julgar os réus mencionados no art. 3º da Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850, e os casos em que devem ser impostas pelos mesmos auditores as penas de tentativa de importação de escravos.
  9. «Lei Eusébio de Queirós». www.multirio.rj.gov.br. Consultado em 28 de novembro de 2018 
  10. Fernando Duarte Da BBC Brasil em Londres. «O polêmico debate sobre reparações pela escravidão no Brasil». BBC News Brasil. Consultado em 28 de novembro de 2018 
  11. «Professor explica processo que culminou com a abolição no Brasil». Vestibular e Educação. 3 de setembro de 2013 
  12. «É hora de falar sobre escravidão mercantil e moderna». Nexo Jornal 
  13. IBGE. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de janeiro : IBGE, 2000. Apêndice: Estatísticas de 500 anos de povoamento. p. 223 apud IBGE. Desembarques no Brasil Arquivado em 25 de junho de 2002, no Wayback Machine. (visitado em 23 de agosto de 2008)
  14. Vaz, Lívia. «Sobre princesas e abolições: 130 anos da Lei Áurea». Jornal CORREIO 
  15. Brasil, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Instagram oficial. Acesso em 15 de setembro de 2024.

Ligações externas

editar