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Tibério Cácio Ascônio Sílio Itálico

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Tibério Cácio Ascônio Sílio Itálico
Cônsul do Império Romano
Tibério Cácio Ascônio Sílio Itálico
Gravura de Sílio Itálico
Consulado 68 d.C.
Nascimento 28 d.C.
Morte 103 d.C.

Tibério Cácio Ascônio Sílio Itálico (em latim: Tiberius Catius Asconius Silius Italicus; c. 28103 (75 anos)), conhecido apenas como Sílio Itálico, foi um senador, orador e poeta romano eleito cônsul em 68 com Públio Galério Trácalo. Sua única obra sobrevivente é o poema épico "Púnica" sobre a Segunda Guerra Púnica. Com 17 livros, é o mais longo poema em latim sobrevivente da Antiguidade, com mais de 12 000 linhas.

Fontes e origem

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As fontes para a vida de Sílio Itálico são principalmente a carta 3.7 de Plínio, o Jovem, que é uma descrição da vida do poeta escrita depois que ele se suicidou, algumas inscrições[1] e diversos epigramas do poeta Marcial. Itálica, na região da Hispânia, era antigamente considerada a sua cidade-natal por causa de seu agnome "Itálico". Contudo, se este fosse o caso, a forma latina "Italicensis" seria a mais correta. Além disto, é altamente improvável que Marcial tivesse simplesmente esquecido de mencioná-lo entre as celebridades literárias da Hispânia da segunda metade do século I. A cidade de Patávio, no norte da Itália, foi sugerida pelo historiador J. D. Campbell com base num aparente viés favorável à região em "Púnica" e a prevalência do nome "Ascônio" em inscrições da região.[2]

Carreira política

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No começo de sua carreira, Sílio foi um renomado orador forense e, mais tarde, um cauteloso político. Acredita-se que ele tenha se tornado um delator voluntária e entusiasticamente na época de Nero, processando nos tribunais pessoas que o imperador desejava condenar.[3] No ano da morte de Nero (68), Sílio foi cônsul e, depois, tornou-se amigo e aliado do imperador Vitélio, a quem passou a servir "sábia e amigavelmente" segundo Plínio.[3] Ele é mencionado por Tácito como tendo sido uma das duas testemunhas presentes nas reuniões entre Vitélio e Tito Flávio Sabino, irmão mais velho de Vespasiano, quando as legiões do oriente estavam marchando rapidamente em direção à capital romana.[4] Sílio se tornou procônsul da Ásia entre 77 e 78, como atestam inscrições encontradas em Afrodísias.[5] Segundo Plínio, ele realizou bem as suas funções e conquistou um importante espaço na administração do império.

Retiro na Campânia e suicídio

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Depois do proconsulado na Ásia, Sílio parece ter deixado a vida pública para gozar de sua fortuna. Apesar de sua riqueza e importância, passou a exercer pouco poder e evitou o quanto pôde entrar em conflitos.[6] Por conta disto, conseguiu passar por todo o período flaviano.

Plínio o descreve investindo seu tempo em conversas eruditas em suas villas, escrevendo, colecionando livros e esculturas apaixonadamente[a] e recitando suas obras. Evidências indicam que ele já escrevia a partir de 88.[7] É consenso que "Púnica" foi escrito durante este período.[8] Marcial[9] indica que parte da obra foi publicada em 92 e que Sílio não mais discursava no Senado e nem na corte. O livro 14 tem sido datado, tentativamente, em uma data posterior a 96 com base na forma com que Sílio tratou o imperador Domiciano.[10] O poema contém também diversas passagem relativas aos flavianos; Domiciano é elogiado como guerreiro e músico cuja lira era mais doce que a do próprio Orfeu.[11] Além de Domiciano, "Púnica" parece discutir também o imperador Nerva, mas é possível que a referência a ele seja também a Domiciano.[12][13]

Sílio era considerado uma pessoa muito erudita por seus contemporâneos. O filósofo Epiteto afirmou que ele era o espírito mais filosófico entre os romanos de sua época[14] e Cornuto, o estoico, retórico e gramático, dedicou a Sílio um comentário sobre a obra de Virgílio.[15]

No final da vida, Sílio se mudou permanentemente para suas villas na Campânia e não saiu da cidade nem para a cerimônia de posse de Trajano.[16] Ele idolatrava dois grandes romanos do passado, Cícero e Virgílio, e comprou as terras do primeiro em Túsculo[17] e o túmulo do segundo em Neápolis, que ele restaurou.[18] Plínio recorda que Sílio reverenciava especialmente Virgílio, celebrando o aniversário dele de forma mais efusiva do que o seu próximo e tratando o túmulo do poeta como um santuário.[19]

Sílio foi um dos muitos romanos dos primeiros anos do Império que tiveram a coragem de externalizar suas opiniões e que aperfeiçoaram na prática a teoria do suicídio desenvolvida no estoicismo. Em "Púnica" (11.186-88), Sílio fez um elogio ao suicídio. Atormentado por um tumor incurável e já com mais de 75 anos, Sílio se matou de inanição por volta de 103, mantendo um semblante alegre até o fim segundo Plínio. Ainda segundo ele, Sílio foi a última pessoa a ter sido cônsul na época de Nero a morrer.[20]

Sílio Itálico teve dois filhos, dos quais um, Severo, morreu jovem. O outro, Lúcio Sílio Deciano, tornou-se cônsul sufecto em 94.[21] A partir de elementos de seu nome, Olli Salomies defende que Tibério Cácio Césio Frontão, cônsul sufecto em 96, provavelmente foi adotado Sílio Itálico. Outra hipótese, menos provável, é que ele era sobrinho de Itálico.[22]

É impossível saber se Sílio colocou no papel seus diálogos e discursos. Sua única obra sobrevivente é o poema épico Púnica (em latim: Punnica) sobre a Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.), em dezessete volumes e mais de 12 000 linhas. Trata-se do mais longo poema da literatura latina antiga a chegar aos nossos dias.[23]

"Visão de um cavaleiro", de Rafael, uma referência à "Escolha de Cipião" retratada no livro quinze de "Púnica".

A data de "Púnica" é um tema complexo para os estudiosos clássicos, mas duas passagens, 3.594 e 14.680ss, juntamente com diversos poemas de Marcial já citados indicam que ela teria sido composta entre 83 e 103, com o livro 3 datado em 84 e o livro 14, por volta de 96.[24] Os demais livros são impossíveis de serem datados com precisão. O poema todo está dividido em dezessete volumes e foi composto em hexâmetro dactílico. Já foi proposto que o objetivo era que o poema todo fosse dividido em sextetos num total de dezoito livros.[25]

Sílio se baseou em Virgílio como inspiração estilística e dramática primária; a partir da abertura, "Púnica" está configurado como uma continuação do rancor de Juno contra Roma desenvolvido na Eneida.[26] Lívio e Ênio[27] são importantes fontes para informações históricas e poéticas e Homero especificamente está declarado como um modelo importante por Sílio, que o cita em 12.788-9, "sua [de Homero] poesia abarcava terra, mar, estrelas e sombras e ele rivalizou as Musas em canto e Febo em glória".[28] Lucano foi também um importante modelo para a escrita do épico histórico, os excursos geográficos e o tom estoico, embora a abordagem de Sílio em relação aos deuses seja muito mais tradicional.[29]

O poema abre com uma discussão sobre a ira de Juno contra Roma por causa do tratamento dispensado por Eneias a Dido e sobre Aníbal e sua criação. Ele ataca Sagunto e recebe uma embaixada romana. No livro dois, os emissários romanos são ouvidos em Cartago, mas Aníbal mesmo assim toma a cidade depois que os defensores heroicamente se suicidam. Aníbal atravessa os Alpes e Júpiter revela que a Guerra Púnica é um teste da masculinidade romana no livro três. Nos dois livros seguintes, os romanos são derrotados em Ticino, Trébia e Lago Trasimeno. O livro seis relembra os feitos de Marco Atílio Régulo na Primeira Guerra Púnica enquanto que o livro sete descreve a estratégia protelatória de Quinto Fábio Máximo Verrugoso. Os próximos três livros descrevem em detalhes vívidos a Batalha de Canas; é Juno quem impede que Aníbal siga direto para Roma depois dela. No livro onze, o exército de Aníbal inverna em Cápua, onde Vênus o enfraquece com luxúria. Aníbal é derrotado em Nola no livro doze, o que encoraja os romanos. Ele tenta tomar a cidade, mas Juno o impede, revelando que os deuses estão contra ele. O livro treze relata a invasão romana em Cápua e a morte de dois Cipiões, o que leva à viagem de Cipião Africano ao mundo subterrâneo ("nekyia"), onde encontra com famosos heróis mortos, e à profecia da Sibila sobre a derrota de Aníbal. No livro seguinte, a vitoriosa campanha siciliana de Marcelo e as armas de cerco de Arquimedes são descritas. No livro quinze, Cipião, escolhendo a Virtude e não o Vício, realiza uma vitoriosa campanha na Hispânia enquanto que na Batalha de Metauro, o irmão de Aníbal é morto. O livro dezesseis descreve a aliança entre Roma e Massinissa e travessia de Cipião até a África. Finalmente, o último livro descreve a viagem da estátua de Cibele até Roma, a tempestuosa travessia de Aníbal de volta para a África, o apelo de Juno a Júpiter pela vida de Aníbal e a Batalha de Zama. O poema termina com o retorno triunfal de Cipião a Roma.

O estilo de Sílio é diferente de Virgílio, pois ele não foca nuns poucos personagens centrais e divide a ação entre muitos heróis importantes.[30] Isto o encoraja a apresentar eventos importantes do passado romano como uma reflexão sobre os personagens e suas ações no tempo presente do poema, ecoando a tradição romana de utilizar "exemplos" ("exempla"). Enquanto muitos componentes importantes da poesia épica estão presentes, como símiles elaborados, écfrases de objetos (como o escudo de Aníbal em 2.391-456), um "mundo subterrâneo", a participação divina e a profetização de eventos futuros, há também importantes elementos da historiografia, como o contraste pareado de discursos e descrição geográfica detalhada. Alegorias são particularmente importantes em "Púnica" e ele inclui figuras como , no livro dois, "Itália" no quinze, e "Virtude" e "Vício", também no quinze, continuando uma tendência em direção ao alegorismo importante também em Estácio, um contemporâneo de Sílio.[31] A métrica e a linguagem de Sílio podem ser comparadas com as de Virgílio, especialmente o seu uso de espondeus.[32] O estoicismo e o pensamento ético estoico são temas importantes em "Púnica". A guerra é configurada como um julgamento da virtude romana que precisa ser superada através do trabalho duro, uma imagem similar ao ideal estoico de superar uma adversidade inexpugnável com coragem interior e bom juízo.[33] A "escolha de Hércules", uma parábola favorita dos estoicos, aparece na boca de Cipião no livro quinze e, por toda a obra, a guerra apresenta lições morais e discussões sobre conceitos estoicos como emoção, razão e destino.

Os únicos autores antigos a fazerem referência a Sílio são Marcial, Plínio e Sidônio Apolinário. O julgamento de Plínio de que Sílio escreveu poesias "maiore cura quam ingenio" ("com mais vontade que gênio") encorajou uma visão posterior de que Sílio teria sido um poeta talentoso, mas medíocre e pouco inspirado. O poema parece ter sido praticamente desconhecido durante a Idade Média. O poema "África", de Petrarca, foi composto de forma independente de "Púnica", pois o manuscrito só foi descoberto Poggio Bracciolini em 1417 em São Galo durante o Concílio de Constança.[34] A dura opinião de Julius Caesar Scaliger a respeito de Sílio também ajudou a arruinar sua reputação.[35] Muitos autores conheciam "Púnica", como Montaigne, Milton, Dryden (que o considerava melhor que Lucano), Gibbon e Alexander Pope.[36] Joseph Addison incluiu muitas citações a Sílio em seu "Dialogue on Medals", assim como Thomas Macaulay em suas obras.[37]

O interesse em Sílio praticamente desapareceu no século XIX.[38] Com relação às artes visuais, a "Visão de um Cavaleiro" (veja imagem), de Rafael, é uma interpretação da escolha de Cipião entre a Virtude e o Vício.[35]

Cônsul do Império Romano
Precedido por:
Lúcio Júlio Rufo

com Fonteio Capitão
com Lúcio Aurélio Prisco (suf.)
com Ápio Ânio Galo (suf.)
com Lúcio Verulano Severo (suf.)

Tibério Cácio Ascônio Sílio Itálico
68

com Públio Galério Trácalo
com Nero V (suf.)
com Caio Belício Natal (suf.)
com Públio Cornélio Cipião Asiático (suf.)

Sucedido por:
Galba II

com Tito Vínio
com Ano dos quatro imperadores


  1. Marcial cita, em 6.64, que Sílio leu seus epigramas.

Referências

  1. von Albrecht, p. 960 n.1
  2. Campbell (1936), pp. 55-58.
  3. a b Plínio, Epístolas 3.7.3
  4. Tácito, Histórias 3.65
  5. Calder (1935), pp. 216-217.
  6. Plínio, Epístolas 3.7.4
  7. Marcial, Epigramas 4.14.
  8. von Albrecht p. 960 n.4
  9. Marcial, Epigramas 7.63
  10. MacDermott & Orentzel (1977), pp. 24-34
  11. Punica 3.607-29 e 14.686-88.
  12. MacDermott & Orentzel (1977), pp. 30-31.
  13. MacDermott & Orentzel (1977), pp. 29-34
  14. Epiteto, Diss. 3.8.7
  15. Cornuto, Char. Gramm. 1.125.16-18.
  16. Plínio, Epístolas 3.7.5
  17. Marcial, Epigramas 11.48.
  18. Marcial, Epigramas 11.49.
  19. Plínio, Epístolas 3.7.8-9.
  20. Plínio, Epístolas 3.7.10.
  21. Marcial, Epigramas 8.66
  22. Salomies, Adoptive and polyonymous nomenclature in the Roman Empire, (Helsinski: Societas Scientiarum Fenica, 1992), pp. 95f
  23. «Punica». Encyclopædia Britannica 
  24. Wistrand (1956), p. ?
  25. von Albrecht, p. 964
  26. von Albrecht, pp. 962ss.
  27. Pun. 12.342-419
  28. von Albrecht, p. 962.
  29. von Albrecht, p. 984.
  30. von Albrecht, p. 965.
  31. Feeney (1991), p. ?
  32. von Albrecht, p. 967.
  33. von Albrecht, pp. 967ff.
  34. Conte (1994), p. 495.
  35. a b von Albrecht, p. 969.
  36. Bassett (1953), pp. 155-168.
  37. Bassett (1953), pp. 166-168.
  38. Bassett (1953), p. 168
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Ligações externas

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