Povos do Mar
Os povos do mar são uma suposta confederação de povos marinheiros que atacaram o Egito Antigo e outras importantes localidades no mar Mediterrâneo antes do Colapso da Idade do Bronze.[1][2] Após a criação do conceito no século XIX, tornou-se um dos capítulos mais famosos da história egípcia, dada a sua ligação com, nas palavras do orientalista estadunidense Wilhelm Max Müller: "as questões mais importantes da etnografia e a história primitiva das nações clássicas".[3][4]
Foi proposto que os vários povos do mar tivessem origem da Anatólia ocidental ou da Europa meridional.[5] Embora as inscrições arqueológicas não incluam referência a uma migração,[2] os povos do mar devem ter navegado em torno do Mediterrâneo oriental e invadiram Anatólia, Síria, Canaã, Chipre e Egito no fim da Idade do Bronze.[6]
O egiptólogo francês Emmanuel de Rougé usou pela primeira vez o termo "peuples de la mer" em 1855, numa descrição dos relevos do Segundo Pilar de Medinet Habu, que documenta o Ano 8 de Ramessés III.[7][8] Gaston Maspero, sucessor de Rougé no Collège de France, posteriormente popularizou o termo "povos do mar" - e uma teoria da migração associada - no final do século XIX.[9] Desde o início dos anos 1990, a teoria foi posta em questão por vários estudiosos.[1][9][10][11]
As hipóteses sobre a origem dos vários grupos identificados como povos do mar continua a ser a fonte de muita especulação.[12] Essas teorias propõem como origem várias tribos do Egeu, incursores da Europa Central, soldados dispersos que se voltaram para a pirataria ou que se tornaram refugiados e ligados a desastres naturais, como terremotos ou mudanças climáticas.
Conceito
[editar | editar código-fonte]O conceito de Povos do Mar foi proposto pela primeira vez por Emmanuel de Rougé, curador do Louvre, em sua artigo de 1855, Note on Some Hieroglyphic Texts Recently Published by Mr. Greene. Nesse trabalho, Rougé interpretou as batalhas de Ramessés III descritas no Segundo Pátio do templo de Medinet Habu, baseando-se em fotografias do templo feitas por John Beasley Greene. De Rougé observou que "nos brasões dos povos derrotados, os Sherden e os Teresh carregam a designação de 'povos do mar'", fazendo referência aos prisioneiros retratados na base do Portão Leste Fortificado.[13]
Em 1867, de Rougé publicou Excerpts of a dissertation on the attacks directed against Egypt by the peoples of the Mediterranean in the 14th century BC, que se concentrou principalmente nas batalhas de Ramessés II e Merneptá e propôs traduções para muitos dos nomes geográficos nas inscrições hieroglíficas. Mais tarde, de Rougé tornou-se professor de Egiptologia no Collège de France e foi sucedido por Gaston Maspero. Maspero expandiu o trabalho de de Rougé e publicou *A Luta das Nações*, na qual detalhou a teoria das migrações marítimas em 1895–96 para um público mais amplo, em uma época em que a ideia de migrações populacionais parecia familiar para a população em geral.[14][15]
A teoria das migrações foi adotada por outros estudiosos, como Eduard Meyer, e tornou-se amplamente aceita entre egiptólogos e orientalistas. No entanto, desde o início dos anos 1990, alguns estudiosos começaram a questioná-la.
Essa narrativa histórica vem principalmente de sete fontes egípcias antigas[16], e embora nessas inscrições a designação "do mar" não apareça em relação a todos esses povos, o termo "Povos do Mar" é comumente usado em publicações modernas para se referir a nove grupos diferentes.[17]
Histórico
[editar | editar código-fonte]HIERÓGLIFO | |||||||||
| |||||||||
Povos do Mar (n3 ḫ3t.w n p3 ym) |
Alguns dos grupos que invadiram por mar a Anatólia Oriental, Síria, Palestina, Chipre, e Egito no fim da idade do bronze, no século XIII a.C. São tidos como os responsáveis pela destruição dos sistemas políticos de civilizações do Oriente Próximo, como o Império Hitita, e mesmo do Mediterrâneo Ocidental, como os palácios micênicos. Por causa da ruptura abrupta nos registos antigos do Oriente Próximo, em consequência das invasões, a extensão e a origem precisa dessas convulsões permanecem incertas.[18]
A principal, porém simples, de todas as evidências para os povos do mar está baseada em textos e em ilustrações egípcias; a outra informação importante vem de fontes hititas e de dados arqueológicos.
Os egípcios empreenderam duas guerras de encontro aos povos do mar: a primeira, no quinto ano do rei Merneptá (1236-23 a.C.); a segunda, no reino de Ramessés III (C. 1198-66 a.C.). As tentativas de identificação dos povos do mar listadas em documentos egípcios são como seguem: Ecues (Ekwesh), um grupo de gregos da Idade da Bronze (Aqueus; Aiaua em textos hititas); Teres (Teresh), Tirrênios (Tyrsenoi), conhecidos dos gregos como marinheiros e piratas da Anatólia, antepassados dos etruscos; Luca (Luka), um povo litorâneo da Anatólia Ocidental, conhecido também das fontes hititas; Serdém (Sherden), provavelmente sardenhos (os Serdem agiram como mercenários egípcios na Batalha de Cadexe, em 1 299 a.C.); Seceles (Shekelesh), provavelmente idênticos com a tribo siciliana chamada Sículos; Pelesete, designado para identificar os filisteus, que talvez tenham chegado de Creta e foi o único grupo dos povos do mar a se estabelecer permanentemente em Palestina.[19] Identificações mais adicionais de outros povos do mar mencionados nos originais são muito mais incertas.
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ a b Killebrew 2013, p. 2. Ver também Woudhuizen 2006)."
- ↑ a b Drews 1995, pp. 48–61
- ↑ Müller 1888, p. 147.
- ↑ Hall 1922.
- ↑ «Syria: Early history». Encyclopædia Britannica. Consultado em 8 de setembro de 2012
- ↑ «Sea People». Encyclopædia Britannica. Consultado em 8 de setembro de 2012
- ↑ Silberman 1998, p. 269.
- ↑ de Rougé 1855, p. 14
- ↑ a b Drews 1992
- ↑ Silberman 1998, p. 272
- ↑ Vandersleyen 1985, p. 53
- ↑ Sea Peoples, ancient.eu Joshua J. Mark
- ↑ de Rougé 1855, p. 14.
- ↑ de Rougé 1867.
- ↑ Vandersleyen 1985, p. 41 n.10.
- ↑ Killebrew 2013, pp. 2–5.
- ↑ Killebrew 2013, p. 2a.
- ↑ Haywood, p. 40
- ↑ Redford, p. 292
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Fontes primárias
- Haywood, John (2005). The Penguin Historical Atlas of Ancient Civilizations (em inglês) 2 ed. [S.l.]: Penguin Books. 144 páginas. ISBN 0141014482
- Redford, Donald B. (1992). Egypt, Canaan, and Israel in Ancient Times (em inglês). Princeton, New Jersey: Princeton University Press. ISBN 0691036063
- Greene, J. B. (1855). Fouilles exécutées à Thèbes dans l'année 1855: textes hiéroglyphiques et documents inédits [Excavations at Thebes in the year 1855: hieroglyphic texts and unpublished documents] (em francês). [S.l.]: Librairie de Firmin Didot Frères
- de Rougé, Emmanuel (1855), Notice de Quelques Textes Hiéroglyphiques Récemment Publiés par M. Greene [Note on Some Hieroglyphic Texts Recently Published by Mr. Greene] (em francês), E. Thunot
- Brugsch, Heinrich Karl (1858). Geographische Inschriften altägyptischer Denkmäler [Geographical inscriptions of ancient Egyptian monuments] (em alemão). [S.l.: s.n.: Volume 1, Volume 2, Volume 3
- de Rougé, Emmanuel (1867). «Extraits d'un mémoire sur les attaques dirigées contre l'Egypte par les peuples de la Méditerranée vers le quatorzième siècle avant notre ère» [Excerpts of a mémoire on the attacks directed against Egypt by the peoples of the Mediterranean in the 14th century BCE]. Revue Archéologique (em francês). 16. JSTOR 41734557Alternative version at Google books
- Chabas, François Joseph (1872). Étude sur l'antiquité historique d'après les sources égyptiennes et les monuments réputés préhistoriques [Study of ancient history according to Egyptian sources and prehistoric monuments] (em francês). [S.l.]: Maisonneuve. pp. 299–
- Maspero, Gaston (1881). «Notes sur quelques points de Grammaire et d′Histoire». Zeitschrift für Ägyptische Sprache. 19 (1-4): 116–131. ISSN 2196-713X. doi:10.1524/zaes.1881.19.14.116
- Müller, Wilhelm Max (1888). «Notes on the "peoples of the sea" of Merenptah». Proceedings of the Society of Biblical Archæology. x: 147–154 and 287–289
- Maspero, Gaston (1896), Archibald Sayce, ed., Struggle of the Nations: Egypt, Syria and Assyria English ed. , Society for Promoting Christian Knowledge, pp. 461–470
- Beckerath, Jürgen von (1997). Chronologie des Pharaonischen Ägypten. Mainz: [s.n.] Mainz.
- Beckman, Gary, "Hittite Chronology", Akkadica, 119/120 (2000).
- Breasted, J.H. (1906). Ancient Records of Egypt: historical documents from the earliest times to the Persian conquest. Chicago: The University of Chicago Press Volume II on the 19th Dynasty is available for download from Google Books.
- Bryce, Trevor (1998). The Kingdom of the Hittites. [S.l.]: Oxford University Press. ISBN 978-0-19-924010-4
- Chadwick, John (1976). The Mycenaean World. Cambridge: Cambridge University Press. ISBN 0-521-21077-1
- D'Amato R., Salimbeti A. (2015). The Sea Peoples of the Mediterranean Bronze Age 1450–1100 BC. London: Osprey
- Dothan, Trude & Moshe (1992). People of the Sea: The search for the Philistines. New York: Scribner
- Dothan, Trude K. (1982). The Philistines and Their Material Culture. Jerusalem: Israel Exploration Society
- Drews, Robert (1995). The End of the Bronze Age: Changes in Warfare and the Catastrophe of ca. 1200 B.C. Princeton, New Jersey: Princeton University Press. ISBN 0-691-04811-8
- Drews, Robert (1992), «Herodotus 1.94, the Drought ca. 1200 B.C., and the Origin of the Etruscans», Franz Steiner Verlag, Zeitschrift für Alte Geschichte, 41: 14–39, JSTOR 4436222
- Finley, M.I. (1981). Early Greece:The Bronze and Archaic Ages:New and Revised Edition. New York, London: W.W. Norton & Co. ISBN 0-393-01569-6
- Gardiner, Alan H. (1947). Ancient Egyptian Onomastica. London: Oxford University Press 3 vols.
- Grant, Michael (1969). The Ancient Mediterranean. New York: Charles Scribner's Sons
- Grimal, Nicolas (1992). A History of Ancient Egypt. Oxford: Blackwell
- Hasel, Michael G. (1998). Domination and Resistance: Egyptian Military Activity in the Southern Levant, ca. 1300–1185 B.C. [S.l.]: Brill Academic Publishers. ISBN 90-04-10041-5
- Hall, Henry R. (1922). «The Peoples of the Sea. A chapter of the history of Egyptology». Recueil d'études égyptologiques dédiées à la mémoire de Jean-François Champollion: 297–329
- Killebrew, Ann E. (2013), «The Philistines and Other "Sea Peoples" in Text and Archaeology», ISBN 978-1-58983-721-8, Society of Biblical Lit, Society of Biblical Literature Archaeology and biblical studies, 15
- Kelder, Jorrit M. (2010). «The Egyptian Interest in Mycenaean Greece». Jaarbericht "Ex Oriente Lux" (JEOL). pp. 125–140
- Kitchen, K.A. (2003). On the Reliability of the Old Testament. [S.l.]: William B. Eerdsman Publishing Co
- Manassa, Colleen (2003). The Great Karnak Inscription of Merneptah: Grand Strategy in the Thirteenth Century BC. New Haven: Yale Egyptological Seminar, Department of Near Eastern Languages and Civilizations, Yale University. ISBN 0-9740025-0-X
- Mazar, Amihai (1992). Archaeology of the Land of the Bible: 10,000–586 B.C.E. [S.l.]: Doubleday. ISBN 0-385-42590-2
- Nibbi, Alessandra (1972). The Sea Peoples: A Re-examination of the Egyptian Sources. [S.l.]: Church Army Press and Supplies
- O'Connor, David B.; Cline, Eric H. (2003). «The Mystery of the 'Sea Peoples'». In: David B. O'Connor and Stephen Quirke. Mysterious Lands. [S.l.]: Routledge. pp. 107–138. ISBN 978-1-84472-004-0
- Oren, Eliezer D. (2000). The Sea Peoples and Their World: A Reassessment. [S.l.]: University of Pennsylvania Press. ISBN 1-934536-43-1
- Chapter 16: Vagnetti, Lucia (2000), Western Mediterranean overview: Peninsular Italy, Sicily and Sardinia at the time of the Sea peoples
- Redford, Donald B. (1992). Egypt, Canaan, and Israel in Ancient Times. Princeton, New Jersey: Princeton University Press. ISBN 0-691-03606-3
- Sandars, N.K. (1987). The Sea Peoples: Warriors of the ancient Mediterranean, Revised Edition. London: Thames and Hudson. ISBN 0-500-27387-1
- Sherratt, Susan (1998), Seymour Gitin, Amichai Mazar, and Ephraim Stern, eds., «"Sea Peoples" and the economic structure of the late second millennium in the eastern Mediterranean», Israel Exploration Society, Mediterranean Peoples in Transition: Essays in Honor of Trude Dothan, pp. 292–313
- Silberman, Neil A. (1998), Seymour Gitin, Amichai Mazar, and Ephraim Stern, eds., «The Sea Peoples, the Victorians, and Us», Israel Exploration Society, Mediterranean Peoples in Transition: Essays in Honor of Trude Dothan, pp. 268–275
- Vandersleyen, Claude (1985). «Le dossier egyptien des Philistins». In: Edward Lipiński. The Land of Israel: Cross-roads of Civilizations : Proceedings of the Conference Held in Brussels from the 3th to the 5th of December 1984 to Mark the Twenty-fifth Anniversary of the Institute of Archaeology Queen Elisabeth of Belgium at the Hebrew University of Jerusalem : in Memory of Prof. Y. Yadin and Prof. Ch. Perelman. [S.l.]: Peeters Publishers. pp. 39–54. ISBN 978-90-6831-031-3
- Vermeule, Emily (1964). Greece in the Bronze Age. Chicago and London: The University of Chicago Press
- Wood, Michael (1987). In Search of the Trojan War. [S.l.]: New American Library. ISBN 0-452-25960-6
- Woudhuizen, Frederik Christiaan (1992). The Language of the Sea Peoples. Amsterdam: Najade Press. ISBN 90-73835-02-X
- Woudhuizen, Frederik Christiaan (2006). The Ethnicity of the Sea Peoples (Ph.D.). Erasmus Universiteit Rotterdam, Faculteit der Wijsbegeerte
- Zangger, Eberhard (2001). The Future of the Past: Archaeology in the 21st Century. London: Weidenfeld & Nicolson. ISBN 0-297-64389-4