Urânia Vanério
Urânia Vanério | |
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Aos 10 anos de idade escreveu o poema "Lamentos de uma Baiana", durante os conflitos da Independência da Bahia | |
Nascimento | 14 de dezembro de 1811 Salvador, Bahia |
Morte | 3 de dezembro de 1849 (37 anos) Salvador, BahiaIgreja da Santa Casa da Misericórdia |
Cidadania | Brasil |
Cônjuge | Felisberto Gomes de Argollo Ferrão (c. 1827; v. 1849) |
Ocupação | Professora |
Obras destacadas | Lamentos de huma bahiana na triste crise... |
Urânia Vanério de Argollo Ferrão[1] (Salvador, 14 de dezembro de 1811 – 3 de dezembro de 1849) foi uma professora, escritora e tradutora brasileira que em sua infância testemunhou o conflito entre as tropas Brasileiras e Portuguesas no começo de 1822, no contexto do processo da Independência da Bahia, que a levou a escrever o poema "Lamentos de uma Baiana...".
Vida
[editar | editar código-fonte]Infância
[editar | editar código-fonte]Urânia Vanério nasceu em Salvador, no dia 14 de dezembro de 1811, sendo filha dos educadores portugueses Euzébio Vanério[nota 1] e Samoa Angélica Vanério,[4][5][6] uma família sem posses.[7] Desde criança ela foi estimulada aos estudos,[4] vindo a dominar os idiomas Francês, Inglês e Italiano, além de outras habilidades como o bordado, desenho e música, que junto de sua beleza física, deixou as damas da região impressionadas.[8][9]
Lamentos de uma Baiana
[editar | editar código-fonte]"Lamentos de uma Baiana..." foi um panfleto escrito entre os dias 19 e 21 de fevereiro de 1822, quando Urânia tinha apenas 10 anos, apresentando sua revolta contra o governo de Inácio Luís Madeira de Melo, fiel a Portugal e comandante da Tropa Auxiliadora de Portugal. A obra foi publicada no Rio de Janeiro, apresentando da idade errada de Urânia, por Ângelo da Costa Ferreira[4][10][11] e teve sua publicação anunciada no dia 21 de outubro de 1822 pelo Diário do Rio de Janeiro com o preço de 80 réis.[12] A autoria da obra ficou esquecida por dois séculos; a historiadora Patrícia Valim diz que isto foi devido ao apagamento das lutas femininas da história oficial.[4][13][nota 2]
No texto ela revela sua preocupação com o desfecho da guerra e o destino de sua família, e faz referência ao assassinato da freira Joana Angélica, que foi morta a golpes de baioneta quando tropas portuguesas tentavam invadir o Convento da Lapa. Ela também buscou reforçar sua adesão pela Independência do Brasil, além de repudiar os conflitos causados pela "Carta Régia de 8 de julho de 1820", que emancipou Sergipe.[4][14] Ao escrever, ela se encontrava tomada por emoção[10] pela situação de violência na qual seu país encontrava-se e se preocupava com a segurança de seu pai, português, que para acalmá-la falou: "Teu pai sempre será brasileiro".[4][14][nota 3]
Juventude
[editar | editar código-fonte]Meses após a escrita do panfleto, a família de Urânia mudou-se para o Recôncavo Baiano devido ao fato de seu pai ter passado a integrar o Conselho Interino do governo da cidade de Cachoeira.[4][16]
Em 1823 mudaram-se para Sergipe, onde o grupo que seu pai participava entrou em conflito com o de Antônio Pereira Rebouças por divergências políticas, disputa esta que ocorria no periódico "O Grito da Razão", teve como desfecho a prisão de seu pai no Forte de São Pedro por alegada desordem política.[4][17] Com isto, ela retornou para Salvador com sua mãe e no ano seguinte sua mãe retornou os trabalhos no Colégio "Desejo da Ciência para a educação da mocidade baianense",[nota 4] que ela havia fundado com seu marido,[4] e onde Urânia já trabalhava quando criança.[18] Ao sair da prisão, Euzébio Vanério voltou a trabalhar no jornal "O Grito da Razão", onde passou a mostrar sua dedicação à província da Bahia e seu povo.[20]
No dia 21 de abril de 1825 Urânia solicitou ao Imperador Dom Pedro I uma licença para a criação de uma Escola de Ensino mutuo para meninas, autorização esta que ela recebeu e foi anunciada pelo Diário Fluminense no dia 28 de abril de 1825.[4][21][nota 5] Com isso, Urânia voltou a trabalhar com seus pais.[20]
Vida adulta
[editar | editar código-fonte]Em 1 de março de 1827,[1] aos 15 anos, Urânia casou-se com o capitão Felisberto Gomes de Argollo Ferrão (1802-1876), filho de uma das famílias mais ricas da província.[4][2][22]
No dia 11 de dezembro de 1827, o Diário do Rio de Janeiro anunciou a publicação da obra "Triumpho do Patriotismo, Novela Americana",[nota 6] por 200 réis.[23] A obra, originalmente escrita por M. de Florian, já havia sido anunciada pelo Diário Fluminense em 1826, explicitando tratar-se de uma tradução produzida por Urânia Vanério,[3][24][25] o que pode torná-la na primeira tradutora do Brasil, antecedendo Nísia Floresta por uma década.[1]
Urânia Vanério e seu marido continuaram vivendo em Salvador, no bairro Barris,[nota 7] enquanto ela continuou dando aulas no colégio fundado por seus pais. Em vinte e dois anos de casada, Urânia teve treze filhos, com dois tendo falecido na primeira infância.[4][1][nota 8]
Morte
[editar | editar código-fonte]No dia 3 de dezembro de 1849 Urânia Vanério veio a falecer devido a uma infecção decorrente do parto de seu último filho, sendo enterrada na Igreja da Santa Casa da Misericórdia, onde se enterravam membros de famílias distintas. Suas filhas tornaram-se professoras no mesmo colégio em que trabalhava e seus filhos tornaram-se negociantes e políticos com alguma relevância local e nacional.[4][1][nota 9]
Legado
[editar | editar código-fonte]Os autores da coletânea "Guerra Literária" (2014) descrevem o panfleto "Lamentos de uma Baiana" como sendo o mais "...revoltado e dolorido protesto contra a ação das tropas do General Madeira de Melo, vazado em linguagem simples e direta...", porém o nome da autora não foi indicado.[27][28]
A historiadora Patrícia Valim descreve que a trajetória de Urânia Vanério tem grande importância por demonstrar as estratégias que as mulheres da época utilizavam em favor de seu engajamento político, pela luta contra a opressão, em favor da justiça e igualdade[1] e que seu panfleto, que pode ter sido originalmente feito para defender seus pais contra possíveis ataques, "...ganhou corpo e transformou-se em uma das mais potentes críticas contra os arbítrios do absolutismo português na Bahia, da exploração colonial e da violência das tropas imperiais contra a população de Salvador".[13]
Resgate histórico
[editar | editar código-fonte]A história de Urânia Vanério e a autoria de seu panfleto foi resgatado no século 21 através da pesquisa da historiadora Patrícia Valim,[29][30] que levou ao podcast descrito abaixo e que resultou em um capítulo escrito pela historiadora no livro "As mulheres que estavam lá" (2022).[31]
Cultura popular
[editar | editar código-fonte]No contexto do Bicentenário da Independência do Brasil a história de Urânia Vanério foi narrada pela roteirista Antonia Pellegrino dentro do podcast "Mulheres na Independência"[32] e também teve sua história apresentada no primeiro episódio da série "1822 - Uma Conquista dos Brasileiros", produzida pelo Fantástico.[33]
Obras
[editar | editar código-fonte]- "Lamentos de huma bahiana na triste crise, em que vio sua patria oppressa pelo despotismo constitucional da tropa auxiliadora de Portugal, para empossar no governo das armas a I. L. Madeira de Mello, por virtude da carta regia, que deo causa á guerra da carta regia, ou carnaval desastroso". Rio de Janeiro, na Typographia Nacional, 1822, in- 4º de 8 pp. num.[34][35]
- Carvalho; Bastos; Basile, eds. (2014). «Lamentos de uma Baiana». Guerra Literária (PDF). 4. [S.l.]: UFMG. pp. 261–266. ISBN 978-65-5858-070-6. Cópia arquivada (PDF) em 1 de setembro de 2022
Referências
- ↑ a b c d e f g Valim 2022, p. 82.
- ↑ a b Argollo 2010, Felisberto Gomes de Argollo Ferrão.
- ↑ a b c Valim 2022, p. 81.
- ↑ a b c d e f g h i j k l m Folha de S. Paulo, 22 de agosto de 2022.
- ↑ O Correio Sergipense, 16 de janeiro de 1850, p. 3, Coluna 1.
- ↑ a b Valim 2022, p. 75.
- ↑ Valim 2022, p. 77.
- ↑ O Correio Sergipense, 16 de janeiro de 1850, p. 3, Coluna 1-2.
- ↑ Valim 2022, pp. 75-76.
- ↑ a b Neves 2020, p. 28.
- ↑ Valim 2022, pp. 74, 77-78.
- ↑ Diário do Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1822, p. 70.
- ↑ a b Valim 2022, p. 83.
- ↑ a b Valim 2022, pp. 77-78.
- ↑ Valim 2022, p. 78.
- ↑ Valim 2022, p. 79.
- ↑ Valim 2022, pp. 79-80.
- ↑ a b Valim 2022, p. 76.
- ↑ Correio Mercantil., 13 de janeiro de 1847, p. 4.
- ↑ a b c Valim 2022, p. 80.
- ↑ Diário Fluminense, 28 de abril de 1825, p. 371.
- ↑ O Correio Sergipense, 16 de janeiro de 1850, p. 3, Coluna 3.
- ↑ Diário do Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1827, p. 29.
- ↑ Diário do Rio de Janeiro, 12 de maio de 1826, p. 37.
- ↑ Diario do Rio de Janeiro, 19 de julho de 1826, p. 61.
- ↑ Correio Mercantil., 22 de junho de 1839, p. 4.
- ↑ Valim 2022, p. 74.
- ↑ Carvalho, Bastos & Basile 2014, p. 13.
- ↑ Folha de S. Paulo, 03 de agosto de 2022.
- ↑ O Globo, 5 de agosto de 2022.
- ↑ Estado de Minas, 3 de setembro de 2022.
- ↑ psychic-live, 25 de agosto de 2022.
- ↑ Fantástico, 14 de agosto de 2022.
- ↑ Cabral 1881, pp. 266-267.
- ↑ Carvalho, Bastos & Basile 2014, p. 21.
Notas
[editar | editar código-fonte]- ↑ Euzébio foi deputado por Sergipe e professor do Liceu da Baía[2] e responsável pela introdução do Método Lancaster no Brasil.[3]
- ↑ Apesar da pouca idade quando produziu o texto, as crianças de etnia branca da época eram estimuladas desde cedo a amadurecerem e terem a educação voltada ao casamento, algo que a estrutura da sociedade da época esperava que já ocorresse aos quinze anos.[6]
- ↑ A historiadora Patrícia Valim diz que é possível que seu pai tenha acompanhado de perto a escrita do texto.[15]
- ↑ Ficava localizado no atual bairro da Barroquinha.[18] Em 1847 foi descrito que o casal dirigia o "Colégio de Ambi Dextros".[19]
- ↑ A historiadora Patrícia Valim relata que o pedido e sua presença na mídia um acontecimento incomum para uma menina da época.[20]
- ↑ Título completo: "Triunfo e o caráter de patriotismo".[3] No anúncio ela é somente chamada de "D. Urânia Vanério", indicando que ela continuou a trabalhar com literatura após o casamento e não adicionou o sobrenome do marido em sua produção.[1]
- ↑ Um anúncio publicado no "Correio Mercantil" em 22 de junho de 1839 dizia que seu marido estava vendendo uma casa no mesmo bairro.[26]
- ↑ É possível ler os nomes de alguns parentes em «Agradecimentos pela presença». O Monitor. 1 (112): 3. 17 de outubro de 1876
- ↑ É possível ler a Necrologia de um de seus filhos em «Capitão de Corveta Reformado Gomes de Argollo Ferrão». Rio de Janeiro. Revista Maritima Brasileira. 100 (7): 905-907. Janeiro de 1931
Bibliografia
[editar | editar código-fonte](Organizado por ordem cronológica)
- «Obras Publicadas». Diario do Rio de Janeiro (18). 21 de outubro de 1822. p. 70
- Carvalho, João Vieira de (28 de abril de 1825). «Repartição dos Negocios da Guerra». Diário Fluminense. 5 (93). p. 371
- «Obras Publicadas». Diario do Rio de Janeiro (10). 12 de maio de 1826. p. 37
- «Declarações». Diario do Rio de Janeiro (16). 19 de julho de 1826. p. 61
- «Obras Publicadas.». Diário do Rio de Janeiro. (8). 11 de dezembro de 1827. p. 29
- «Annuncios». Correio Mercantil. 6 (132). 22 de junho de 1839. p. 4
- «Annuncios». Correio Mercantil. 14 (8). 13 de janeiro de 1847. p. 1
- Barreto, F. M. (16 de janeiro de 1850). «Necrologia». O Correio Sergipense. 13 (5). p. 3
- Cabral, Alfredo do Valle (1881). Annaes da Imprensa Nacional do Rio de Janeiro de 1808 a 1822 (PDF). Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. 339 páginas
- «Argollo Uma família brasileira de 1500». soveral.info. 2010
- Carvalho; Bastos; Basile, eds. (2014). Guerra Literária (PDF). 4. [S.l.]: UFMG. 801 páginas. ISBN 978-65-5858-070-6. Cópia arquivada (PDF) em 1 de setembro de 2022
- Neves, Lucia Maria Bastos Pereira das (2020). «Os Esquecidos no Processo de Independência: Uma História a se Fazer». Guarulhos. Almanack (25). 44 páginas. doi:10.1590/2236-463325ef00220
- Araújo, Gabriel (3 de agosto de 2022). «Luta de mulheres pela independência inspira podcast e livro». Folha de S. Paulo
- Oliveira, Flávia (5 de agosto de 2022). «Passado e futuro em disputa». O Globo
- Valim, Patrícia (6 de agosto de 2022). «Opinião - Patrícia Valim: Quem foi a menina de 10 anos que escreveu um dos principais panfletos pró-Independência». Folha de S. Paulo
- «1822 - Uma Conquista dos Brasileiros: nova série mostra por que cidade na Bahia já festejou bicentenário da Independência». Globo. 14 de agosto de 2022
- Valim, Patrícia (2022). «Lamentos e Lutas de Urânia Vanério na Independência do Brasil». Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá 1 ed. [S.l.]: Bazar do Tempo. pp. 70–85. ISBN 9786584515093
- «A história de Urânia Vanério é narrada no quarto episódio do podcast 'Mulheres na Independência'». psychic-live.club. 25 de agosto de 2022
- Peixoto, Mariana (3 de setembro de 2022). «Livro 'As mulheres que estavam lá' destaca força feminina na Independência». Estado de Minas
Ligação externa
[editar | editar código-fonte]- «"1822": nova série vai mostrar a participação de negros, mulheres e indígenas na Independência do Brasil». globoplay. 14 de agosto de 2022