Nota: Não confundir com Quito (capital do Equador).

O quitó é uma espada curta, espadim ou faim, que se tornou moda no século XVIII em Portugal e cuja lâmina, pela lei joanina de 1719, não podia exceder três palmos.[1]

Quitó. Espadim português usado no século XVIII

O quitó substituiu a espada larga seiscentista, estilo toledano ou holandês, que chegava a medir até seis palmos, não tanto pelas sucessivas tentativas da lei em tentar diminuir as dimensões da arma ou de tentar cercear o uso de armas de guerra no âmbito da vida civil, [2] mas antes por força da entrada avassaladora da moda francesa, por sinal de jaez mais afeminado, no reinado de D. João V, cujo vestuário casquilho e delicado, pura e simplesmente, não permitia aos homens portar armas tão grandes e pesadas [3]. A moda portuguesa sentiu necessidade de adaptar-se aos tempos e à moda europeia que, no século XVIII, já via o uso casual desse tipo de armamento pesado como um sinal anacrónico, de uma severidade viril que entrava lentamente em desuso [4]

Consequentemente, as espadas tiveram de diminuir de peso e tamanho, até chegarem ao quitó.[5]

Importância no acto de cortejar

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Tendo sido reduzido praticamente a uma espada de enfeitar, o quitó era fundamentalmente usado como um adorno masculino, com um certo relevo nos jogos de sedução que se praticavam na época. Os namoradeiros, na altura chamados os "faceiras"[6], deixavam o quitó a descoberto, para chamar à atenção das damas, numa espécie de alusão às suas qualidades guerreiras (por ainda ser uma arma), nobres (por ter o privilégio de poder portar arma), de ostentação e riqueza (por os quitós serem adornos caros, não raras vezes exornados de madeiras exóticas, marfins, pedras e ou metais preciosos), mas também viris (por alusão simbólica fálica).

O quitó, além disso, permitia fazer toda uma panóplia de tretas e floreados, que tinham importância nos jogos de sedução da época. Júlio Dantas, na sua obra «O Amor em Portugal no século XVIII», descreve-os da seguinte forma:

«O faceira, risonho, enfiava no boldrié o seu quitó de prata, fino como uma agulha, comprado no ourives Cristiano Frezi ou no António maltês do Beco das Tábuas, e tão pequenino que lhe chamavam «quitó de nascer»; ensaiava com ele as posturas do namoro de estafermo; metia-o às meias-voltas entre as coxas, para significar ternura; debruava-lhe o lenço das guardas doiradas, como quem diz «eu volto amanhã»; subia-o à boca até beijar-lhe os punhos, que queria dizer «como és linda!», - e aos saltos, às upas, na raçada quente do sol, sem se lembrar de que levava à ilharga uma arma (...)»[7]

 
Quadro de George Clint (1770-1854) - representando o Duelo entre Sir Toby and Sebastian (da peça de William Shakespeare's 'Noite de Reis', Acto IV, Cena ii) - ambos os duelistas manejam um quitó

Duelos com quitó

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Embora no século XVIII, nos duelos e ajustes de contas extrajudiciais já preponderasse a preferência pelas armas de fogo [8] ainda chegaram a realizar-se duelos de quitós [9] , na época alcunhados jocosamente de "duelos en dentelle", galicismo que se traduz por "duelos em camisa rendada", por os duelistas vestirem camisas com rendados, pregas e bofes, nos peitilhos e nas mangas.

Dignos de menção, a este título, são, por exemplo:

Outro ajuste de contas extrajudicial relevante, em que se usaram quitós, foi a tentativa de assassinato do Marquês de Pombal de Junho de 1760, por parte do "menino de Palhavã", D. António, que, ao saber que o marquês lhe contrariara o casamento com a princesa herdeira D.ª Maria, o tentou apunhalar com um quitó dourado de lâmina de agulha.[13] O que lhe terá valido o desterro para o Buçaco em Julho de 1760.[14]

Etimologia

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A palavra quitó[15] vem de cotó, palavra que designa um estilete, sem cabo ou embocadura[16].

Referências

  1. JÚLIO DANTAS, «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 14, 3ª ed. 1918,«Substituíram a viril rapière por um pequenino espadim de criança, leve como um brinquedo, caro como uma jóia, feito mais para namorar do que para matar, cuja lâmina, pela lei joanina de 1719, não podia exceder três palmos»
  2. JÚLIO DANTAS, «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 116, 3ª ed., 1918 «Apesar dos alvarás sucessivos, a partir da ordem filipina de 5 de Janeiro de 1621, determinarem, sob pena de degredo para Angola aos infractores, que se até cinco palmos as lâminas das espadas de Portugal. Foi inútil. Mas o que não pôde fazer, durante todo o século XVII, a força da lei, - conseguiu-o nos primeiros anos do século XVIII, a fragilidade da moda»
  3. JÚLIO DANTAS , «Eles e Elas», p. 209, 1.ª ed. 1918. «O espadachim começava a vestir-se à francesa. Desapareciam os ferragoulos de dozeno, as grandes espadas soldadescas.»
  4. JÚLIO DANTAS «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 13, 3ª ed. 1918,«desapareceu a severidade patriarcal, perderam-se os hábitos viris dos portugueses velhos. D. João V, estrangeirando a corte, efeminou-a. As modas de França, trazendo a graciosidade e a elegância na sua asa de rendas; proscreveram as enormes espadas soldadescas povoadas de Cristos e de legendas, deixaram-nas enferrujar no fundo das velhas arcas de castanho, pelos recantos dos pesados armários holandeses ou à cabeceira dos meninos de mama «para afugentar as bruxas», - e substituíram a viril rapière por um pequenino espadim de criança, leve como um brinquedo, caro como uma jóia, feito mais para namorar do que para matar»
  5. JÚLIO DANTAS «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 24, 3ª ed. 1918 "Em 1707, já o conde de Coculim encomendava para Londres a D. Luís da Cunha um espadim da moda, «quanto mais pequeno melhor»"...)"
  6. JÚLIO DANTAS «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 54, 3ª ed. 1918 «Quem é o faceira? É o homem da moda, o namorador de profissão, o irresistível, o fatal. Nunca saiu de Lisboa. Mais lisboeta, só uma alface»
  7. JÚLIO DANTAS «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 26, 3ª ed. 1918
  8. JÚLIO DANTAS «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 28, 3ª ed. 1918 "Daí por diante, como os quitós são frágeis e incertos, é a tiro que se fazem, de noite, aos quatro cantos de Lisboa, as esperas «para matar»."
  9. JÚLIO DANTAS «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 30, 3ª ed. 1918 «Os quitós do século XVIII têm a responsabilidade de muito sangue e de muita morte de homem»
  10. a b JÚLIO DANTAS «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 36, 3ª ed. 1918
  11. JÚLIO DANTAS «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 36, 3ª ed. 1918 " na tarde de 9 de Novembro de 1743, à Bica do Sapato, o marquês de Cascais e Luís Gonçalves da Câmara se bateram com tão veemente cortesia que, se não passam uns frades barbadinhos, tinham ficado ambos mortos na calada."
  12. JÚLIO DANTAS «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 37, 3ª ed. 1918
  13. JÚLIO DANTAS «O Amor em Portugal no século XVIII», p. 38, 3ª ed. 1918
  14. Azevedo, J. Lúcio (2004). O Marquês de Pombal e a Sua Época. Lisboa: Seara Nova. p. 225. 399 páginas  «O interessante do caso é ter o próprio julgado, decerto por atoardas correntes, pretender Carvalho e Melo dar a Princesa por consorte ao menino D. António (3)»« Nota 3. Convidado este então a ir ao palácio de Palhavã explicar-se com o inquisidor, ahi a conversa degenerou em disputa, resultando ser o ministro esbofeteado pelo infante D. António, que estava presente, tendo de fugir, perseguido por elle de espadim em punho.» «Um mês depois, em Julho de 1760, por decisão do Conselho de Estado, eram presos os dois e desterrados para o Bussaco»
  15. «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de quitó». aulete.com.br. Consultado em 29 de outubro de 2020 
  16. Infopédia. «cotó | Definição ou significado de cotó no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa». Infopédia - Dicionários Porto Editora. Consultado em 29 de outubro de 2020